quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Archie Goodwin


Archie Goodwin é um daqueles mestres dos quadrinhos que aos poucos vem sendo esquecido. Apesar do seu excelente trabalho como editor e escritor, sua produção mais famosa se concentrou entre a década de 60 e 70 e, infelizmente, não é tão lembrada quando a de outros quadrinhistas.
Archie Goodwin nasceu em 8 de setembro de 1937 na cidade do Kansas, Missouri. Contudo sua família se mudava muito, então passou sua infância em várias cidades. Quando ele chegou ao segundo grau, finalmente sua família tinha se estabilizado em Tulsa, Oklahoma, onde pôde freqüentar o Will Rogers High School. Lá ele ficaria amigo de Paul Davis e Russell Myers, com quem, anos mais tarde, criaria a tira de humor Broom-Hilda. Leia mais

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Tributo a Cláudio Seto

Acontece, nos dias 13, 14 e 15 de Novembro de 2009, na Praça do Japão de Curitiba, o Tributo a Claudio Seto.
O Tributo é um evento que reunirá numa grande confraternização: amigos, fãs e admiradores do trabalho de Claudio Seto, além de apreciadores da cultura e das artes em geral, homenageando e celebrando a memória deste multi-artista, no mês em que se completa um ano de sua falecimento. Clique no convite para ver mais detalhes

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Stan Lee é o melhor da era de prata


Fechou a enquete sobre o melhor roteirista da era de prata. Stan Lee ganhou de lavada, com 83% dos votos. Robert Kanigher (Sg. Rock) e Jerry Siegel (Super-homem) só tiveram um voto cada. Era de se esperar, já que dos três, Stan Lee é de longe o mais famoso. Também é, sem dúvida, o roteirista que teve maior impacto sobre a indústria dos comics.
Um ponto que tem levado a muitos debates é se Stan Lee realmente pode ser considerado autor das histórias que assina. Jack Kirby dizia que era o verdadeiro autor.
Essa polêmica é provocada pelo método de trabalho de Lee: ele passava ao desenhista uma pequena sinopse da história, este a desenvolvia no desenho e entregava a Stan Lee para que colocasse o texto e os diálogos. Esse método é chamado de Marvel Way. Sobre o assunto, reproduzo aqui uma parte de um texto que escrevi na época em que fazia a especialização em artes visuais no SENAC. Surgiu uma discussão sobre se o roteirista poderia ser considerado autor e respondi assim:

"Nos quadrinhos, um roteirista, embora não saiba desenhar e, portanto, não seja capaz de produzir a obra no seu sentido estrito, artesanal, exerce a função do diretor no cinema. É ele que manipula os significados dos desenhos que serão produzidos pelo desenhista. Alan Moore, considerado o maior gênio dos comics, tem controle total sobre sua obra. Seus roteiros, extremamente detalhados, chegam a gastar mais de uma página para descrever um único quadro. Mesmo Stan Lee, cujos roteiros eram mínimos, muitas vezes um único parágrafo, manipulava o significado dos desenhos ao colocar neles textos e diálogos. Quando trabalhava com Jack Kirby, por exemplo, ele deslocava os conflitos cósmicos e as sagas grandiosas para o interior dos personagens. Asssim, o Surfista Prateado deixava de ser um ser apenas um extraterrestre poderoso para se tornar um angustiado messias das estrelas, disposto a sacrificar até mesmo sua liberdade em prol de uma humanidade que o rejeita".
Ou seja: Stan Lee é, no mínimo, co-autor das histórias que fez em parceria com os grandes desenhistas da Marvel. Na minha opinião, o principal autor.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Para onde mandar trabalhos

O Joe de Lima fez, em seu blog, uma relação de editoras para as quais um roteirista pode mandar trabalhos. Para ler, clique aqui.

Registro de roteiros

Toda semana alguém entra em contato perguntando como registrar roteiro de quadrinhos. Cansado de responder individualmente, resolvi fazer um post sobre o assunto.
O registro é feito na Biblioteca Nacional. Clique aqui para uma página da Biblioteca com perguntas e respostas sobre esse processo de registro.
O registro não assegura direito sobre a ideia, mas apenas a forma. Ou seja: o registro não garante que alguém não vá escrever algo semelhante, mas assegura contra plágios descarados, aquele indivíduo que pega seu texto e publica como sendo dele. O registro não é garantia contra textos requentados ou modificados.
O registro é pago e os originais devem ser enviados pelo correio, embora seja possível baixar a ficha de inscrição no site da Biblioteca Nacional.
O valor normal do registro é R$ 20,00. Mais o Sedex, deve ficar tudo numa média de 50 reais.
Aí também é preciso ponderar se vale a pena registrar. Tem gente que me procura perguntando como registrar um roteiro de duas páginas. Ora, as editoras que pagam melhor, pagam 15 reais a página de roteiro. Nesse caso, você vai gastar mais para registrar do que irá possivelmente receber pela obra. Isso se receber, claro. Eu já levei calotes Homéricos - uma editora portuguesa me encomedou cinco histórias de 12 páginas. No final, não pubicou nem pagou nada e ainda fizeram a proposta indecorosa de me ceder a horrível logo criada pelo artista deles para a minha personagem como forma de pagamento.
Também é importante lembrar que a maioria das editoras prefere não pagar os roteiristas, mas pegar projetos prontos e pagar direitos autorais após as vendas. Se vender bem, você pode ganhar alguma grana. Um amigo meu que publicou um álbum por uma editora grande só recebeu alguns exemplares como pagamento. A mesma coisa aconteceu com o meu álbum War, histórias de guerra. O pagamento foram alguns exemplares.

domingo, 18 de outubro de 2009

Além da imaginação

Um seriado que todo roteirista deveria assistir é o Além da Imaginação. Criada pelo roteirista Rod Serling (o mesmo do primeiro filme do Planeta dos Macacos), a série se destacou muito mais pelas boas histórias do que pelos efeitos especiais. Com poucos recursos para efeitos ou locações, o roteirista caprichava nos ótimos diálogos e nas tramas envolventes. Uma verdadeira escolha sobre como escrever uma história curta.
Um ótimo exemplo disso é o episódio O Marciano. Nele, dois policiais vão investigar um suposto disco-voador e descobrem que algo caiu no lago e foi na direção de uma lanchonete de beira de estrada. Lá, descobrem que os únicos clientes são os passageiros de um ônibus. Mas o motorista só lembra de ter levado seis pessoas e existem sete. Um deles, portanto, é o marciano. A história toda tem praticamente uma única locação (a lanchonete) e pouquíssimos efeitos especiais, alguns até meio bobos, como luzes que acendem e apagam. Mas o estado de tensão criado pelo roteirista aumenta a cada momento.
Veja aqui o episódio, dividido em quatro partes.






quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Palestra com roteiristas da Turma da Mônica Jovem

A revista Mundo dos Super-heróis vai realizar várias atividades durante o Fest Comix. Uma delas é uma palestra com os roteristas Marcelo Cassaro e Petra Leão, da Turma da Mônica Jovem, que acontecerá na sexta-feira, 16/10 às 18 horas. A Fest Comix acontece no Centro de Eventos São Luís, Rua Luís Coelho, 323 (próximo ao metrô Consolação)São Paulo, SP. Informações: (11) 3088-9116 Site: www.comix.com.br/blog . Entrada: R$ 10 (estudante paga meia )

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Quadrinistas contratados para o Casseta & Planeta

Considerada pela imprensa como uma “tentativa de injetar novas ideias ao programa”¹, a entrada dos Roteiristas Allan Sieber e Arnaldo Branco no Casseta & Planeta Urgente, da Rede Globo, foi anunciada pelos membros do programa como "contratações de peso para seu time".

ALLAN SIEBER é gaúcho, cartunista, roteirista e desenhista das tiras 'Bifa-Land' publicada no Estadão, 'Vida de Estagiário' e 'Preto no Branco' publicadas na Folha de S. Paulo. Também escreveu e dirigiu os premiados curtas de animação 'Deus é Pai' e 'Onde Andará Petrucio Felker?'.ARNALDO BRANCO é carioca, roteirista, cartunista e jornalista. Criador de personagens como 'Capitão Presença' e 'Joe Pimp', publicados pela revista Tarja Preta, produz tirinhas do 'Mundinho Animal' no site G1, e escreve as crônicas 'Histórias (Inventadas) da Televisão', na revista Monet. Também adaptou o clássico rodriguiano 'Beijo no Asfalto' para os quadrinhos. Leia mais

domingo, 11 de outubro de 2009

O melhor roteirista europeu


Terminou a enquete sobre o melhor roteirista europeu. Coloquei só três, os mais conhecidos do público brasileiro: Goscinny (Asterix), Charlier (Blueberry) e Berardi (Ken Parker - Júlia). Surpreendetemente, foi uma lavada: Giancarlo Berardi levou com 92% dos votos. Na verdade, Charlier só teve um voto e Goscinny nenhum. Uma injustiça. Todos os três roteiristas são muito bons. Com seu Asterix, Goscinny revolucionou o quadrinho infantil europeu elevando o nível de inteligência dessa mídia. Charlier criou o único cowboy que pode rivalizar com Ken Parker em termos de costrução de personagem e pesquisa histórica.
Como Berardi tem sido publicado mensalmente no Brasil e como Ken Parker ainda tem uma legião de fãs, essa deve ser a razão da vitória fácil.

A próxima enquete será sobre os roteristas da era de prata.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O roteirista profissional: televisão e cinema

Recentemente comprei o livro O roteirista profissional: televisão de cinema, de Marcos Rey. Não é segredo que Marcos Rey é um dos meus escritores prediletos e, depois de ler Esta noite ou nunca, no qual ele romanceia sua experiência como escritor de pornochanchadas, fiquei curioso para ler também esse livro.
Antes de mais nada, é bom avisar que não se trata exatamente de um manual. O autor até dá algumas dicas de como formatar o roteiro, mas não vai muito além da cabeça CENA 1 - LOCAL - EXTERIOR/INTERIOR - DIA/NOITE.
Na verdade, a obra é mais um relato de experiência com o qual podem aprender muito so que forem inteligentes e atentos. Escrito de forma coloquial, a impressão que temos é de estar conversando com um veterano e aprendendo de forma não muito sistemática.
Personagens

Uma das dicas é que Marcos Rey fazia uma espécie de questionário com qual "conversava com os personagens". Perguntas como: "Onde você nasceu? Qual a sua profissão? Gosta dela? Tem alguma religião? Já viveu algum grande amor? Tem algum ideal político? Gosta de repetir alguma palavra?" ajudam a compor o personagem. Todo mundo se lembra, por exemplo, do Coronel da novela Renascer que sempre dizia: "Certo, muito certo, certíssimo!".
No caso dos heróis, é bom dar-lhe um defeito, para torná-lo mais humano: Sherlock Holmes era um dependente de drogas, Poirot um vaidoso, Columbo um relaxado, só para ficar nos detetives.
Também é bom dar marcar fisicamente o personagem. Sherlock Holmes é conhecido pela roupa xadrez, pelo boné e pelo cachimbo. Kojak é careca e fuma uma piteira.
Se a dica é boa para seriados de TV, é melhor ainda para os quadrinhos, uma mídia que depende muito do visual.
RÚBRICAS

São marcações nas falas dos personagens para ajudar o diretor (ou o desenhista) a entender o tom da fala. Por exemplo:

JANDIRA (categórica): Neste hotel não vejo, não escuto, não falo!
PASCOAL (de boca cheia): É bom fazer coisa nova. a freguesia tá mudando!

DIÁLOGOS
Marcos Rey dá uma lição básica, mas importantíssima:
É preferível uma ação muda do que complementada por diálogos inúteis. Imagens também falam.
Nunca coloque em palavras o que a imagem já está tornando explícito.
Nesse sentido, ele critica os primeiros roteiristas de telenovelas, que, vindos do rádio, tinham o vício de fazer os personagens falarem o que estavam fazendo:
JANDIRA: Agora estou abrindo a porta. O que é isso? está tudo escuro? Ligaram uma luz! O quê? Fecharam a porta! Estou presa!
É, tem roteirista de quadrinhos que ainda faz esse tipo de coisa. Aliás, Marcos Rey devia estar pensando nos primeiros comics quando escreveu: "certos autores usam o diálogo como simples muletas de ação. Parece que escrevem histórias em quadrinhos".
NOVELAS
Marcos Rey conta que a maioria dos diretores mexia muito nos seus roteiros a ponto de muitas vezes ele não reconhecer seus textos na tela. De fato, normalmente diretores têm mais poder que os roteiristas e muitas vezes se dão o direito de mexer no texto. Isso só não acontece no caso das novelas. Os roteiristas são as grande estrelas e têm poder absoluto sobre suas novelas. Os diretores não costumam mudar quase nada. E a razão é simples: a produção de telenovelas é tão estafante e apressada que o diretor só tem tempo de filmar e editar. Curioso, não? É justamente o fato das novelas serem uma produção industrial que faz com que elas possam ser obras pessoais a ponto de conseguirmos distinguir o estilo do roteirista. Uma novela de Benedito Rui Barbosa, por exemplo, é completamente diferente de uma do Manoel Carlos.


ADAPTAÇÕES
Talvez o capítulo mais interessante seja sobre adaptações. Uma dica de Marcos Rey: adaptações ao pé da letra, fidelíssimas, são péssimas. De fato, esse talvez tenha sido o maior problema do filem Watchmen. Aliás, passado o vislumbre de ver nas telas uma transposição quase literal dos quadrinhos, o que ficou foram duas criações do diretor: a cena de abertura, com a música do Bob Dylan, perfeita, e o final, cientificamente muito mais correta do que a da história em quadrinhos.
Marcos Rey foi um dos roteiristas da excelente série do Sítio do Pica-pau amarelo da década de 1970. Hoje, 10 em cada 10 críticos diz que aquela adaptação da obra de Monteiro Lobato foi um marco, que encantou toda uma geração, mas na época a maioria dos itelectuais simplesmente odiou. E aí vai outra grande lição: nem sempre quem critica uma adaptação conhece a obra original.
Três exemplos:
1 Os críticos acharam uma heresia colocar uma televisão na sala da Dona Benta, mas não se tocaram que o Lobato já tinha colocado um rádio lá em plena década de 1920, quando esse aparelho era novidade absoluta.
2 Um episódio, Narizinho atômica foi muito criticado por estar deturpando a obra de Lobato. E era adaptação fiel de uma história menos conhecida de Lobato no qual ele falava do perigo das bombas atômicas.
3 A jornalista Cléo foi vista como absurda criação dos roteiristas, mas foi criada por Lobato, um visionário, que já imagina o dia em que as mulheres exerceriam o jornalismo.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O melhor roteirista da era de bronze


Parece que o legado de X-men ainda continua forte, tanto que deu a Chris Claremont o primeiro lugar entre os roteiristas da Era de Bronze dos comics, com sete votos. Em segundo lugar, ficou Roy Thomas, o homem que praticamente definiu a Marvel na década de 1970, com seis votos. Gerry Conway, Len Wein e Dough Moench empataram em terceiro, com três votos cada.

Não foi uma lavada, como a de Alan Moore sobre os outros roteiristas britânicos, mas mesmo assim mostra a importância desse roteirista.

Pessoalmente, não concordei muito, mas não interferi. Acho que Claremont teve um momento inspirado quando se juntou a John Byrne em X-men. A fase dos dois nesse gibi é uma das melhores coisas que já foram feitas com super-heróis em todos os tempos. A série tinha ação e profundidade psicológica na medida certa.
Mas o Claremont é um roteirista de muitos altos e baixos, mais baixos que altos. Outros da lista tiveram carreiras mais regulares, como é o caso de Doug Moench, que foi muito competente em toda a sua longa fase no Mestre do Kung Fu. Gerry Conway esteve com tudo na década de 1970, escrevendo algumas das melhores HQs do Homem-aranha, mesmo sob a responsabilidade de substituir Stan Lee. Além disso, ele fez duas obras-primas: Cinder e Ash e Esquadrão Atari, ambas com o magnífico Garcia Lopez.
Len Wein não fica atrás. Basta lembrar que foi ele que criou o Monstro do Pântano...
Conclusão: a Era de Bronze teve grandes roteiristas e não é fácil encontrar um só expoente.

Claro, como sempre faltaram nomes: Denni O´Neal, Steve Englehart, Bill Mantlo... Ficam para outra enquete.

A próxima enquete será sobre os roteiristas europeus.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Como escrever diálogos

Acredito que uma das coisas mais difíceis para o autor iniciante é escrever bons diálogos.Na verdade, confesso que recentemente li alguns autores já reconhecidos que tem problemas com isso. Portanto, esqueçamos o "iniciante" na frase anterior.Há diversos "crimes" que podem ser cometidos contra um bom diálogo. Assim, de cabeça, vou tentar lembrar de alguns que realmente me incomodam quando estou lendo um livro. Leia mais no blog do Alexandre Lobão.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Jornada nas estrelas - dívida de honra


Dizem que uma vez um jornalista brasileiro entrevistou Grant Morrison e perguntou-lhe qual sua opinião sobre o fato de que, no Brasil, os textos de Chris Claremont nos X-men serem cortados. Morrison teria respondido: "Sério? Deve melhorar muito!".
A anedota, verdadeira ou não, mostra bem os problemas do álbum Jornada nas estrelas - dívida de honra, de Chris Claremont e Adan Hugges (ed. Brainstore).
Há texto demais. E pior, texto inútil. Em uma das sequências, McCoy faz um monólogo analisando o Cap. Kirk. Trecho: "A perda de uma nave é por si um peso enorme para qualquer capitão, mas Kirk precisou destruí-la. Após roubá-la. O peso emocional, admitindo ele ou não, tem que ser muito maior".
Ou seja: a história fica estagnada para que um personagem possa analisar o outro. Aliás, esse texto parece muito com a sinopse dos personagens que a maioria dos roteiristas costuma fazer antes de começar a escrever a história. Isso deve aparecer na história nas atitudes do personagem. Colocar um outro personagem para analisá-lo parece uma trapaça, ou medo do roteirista de não ser compreendido. Além disso, o uso repetitivo desse truque transforma a HQ em uma novela, tirando todo o foco da ação.
Não é necessário sacrificar a ação para inserir profundidade psicológica na trama. O Esquadrão Atari (de Gerry Conway e Garcia Lopez) é um bom exemplo disso. A ação praticamente não para, mas os personagens são muito bem caracterizados e suas motivações são muito claras.
Lendo histórias como essa, eu começo a acreditar em algo que desconfiava há tempos: nos X-men o noveleiro Claremont foi salvo pelo John Byrne, que evitou seus excessos e introduziu mais ação na trama. Aliás, Byrne faz até algumas HQs legais, como Gerações, mas com foco exclusivamente na ação. Quando o homem de ação Byrne se juntou ao noveleiro Claremont tivemos uma das melhores HQs de todos os tempos. Separados, os dois não funcionam tão bem. Mas Claremont é o que mais perde.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

As motivações dos personagens

Todo personagem tem uma motivação, algo que o leva em frente e o faz enfrentar os desafios oferecidos pelo conflito.
Muitas vezes essa motivação pode ser representada por um ou mais objetos. Na primeira saga de Sandman, a motivação do personagem era recuperar os objetos de poder que lhe haviam sido roubados: a algibeira de areia, o elmo e o rubi.
Normalmente, os objetos materiais são apenas representações de motivações psicológicas, tanto que Sadman, após conseguir os objetos de volta, entra em depressão, pois a busca dos objetos era o que lhe dava forças para enfrentar racionalmente o fato de ter ficado tantos anos preso.
Em A Piada Mortal, a motivação do Coringa é provar que todos podem ficar loucos se tiverem um dia ruim. A motivação do Batman é exatamente o oposto. Claro que, nesse roteiro muito bem construído, as respostas não são tão simples e, no final, parece que nenhum dos dois consegue alcançar totalmente a sua motivação.
Durante boa parte da fase de Alan Moore no Monstro do Pântano, a motivação do personagem é saber mais sobre si mesmo, conhecer-se, o que leva o personagem a seguir John Constantine.
No livro Homens do Amanhã, Gerard Jones faz uma interessante análise das motivações do Capitão América, relacionando-as com as motivações de seus criadores: "Ele é o garoto subnutrido do gueto que adquire uma força desmedida ao agarrar as oportunidades americanas". Sua luta contra o nazismo é também a luta de seus criadores em busca de confiança em um mundo que perseguia os judeus. Assim, quando o Capitão América soca Hitler em uma das primeiras histórias, jogando-o no lixo, ele representa as motivações de todas as pessoas que se sentem oprimidas e gostariam de serem capazes de dar a volta por cima, vingando-se de seus opressores.
No filme UP, a motivação do velhinho ao voar com sua casa é voltar aos tempos de infância. A motivação do escoteiro, que quer ganhar mais um distintivo é, na verdade, conseguir a atenção do pai. O distintivo é apenas o objeto que representa a motivação do personagem.
Batman, o cavaleiro das Trevas, apresentou uma motivação global para o personagem ao mostrá-lo como alguém que luta contra seus próprios medos, tanto que adota a imagem dos morcegos que tanto lhe causaram pavor na infância. Essa motivação aparece, inclusive, na Piada Mortal.
Há histórias, criadas por roteiristas iniciantes, em que os personagens parecem não ter motivação. São só bonecos de palha, joguetes, que passam pela história, lutam, mas não se sabe porque estão fazendo isso. A falta de motivação os faz ocos por dentro.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Entrevista com o roteirista André Diniz, autor da história em quadrinhos 7 vidas


Pedro Brandt
Publicação: 13/09/2009 07:00 Atualização: 12/09/2009 10:21
Imagino que a respostas seja “sim” mas, você realmente fez terapia de vidas passadas? O que você achou do processo — quero dizer, além do que está na HQ? Acredita que se fizesse a terapia outra vez, suas vidas anteriores seriam as mesmas? Recomenda esse tipo de terapia para outras pessoas?
Claro! Quem dera eu ter criatividade pra inventar tudo aquilo... Foi uma experiência fantástica e riquíssima e recomendo a qualquer um, mesmo quem não acredita em vidas passadas. Pois mesmo que tudo seja fruto do inconsciente, em nada muda essa jornada de autoconhecimento que são as sessões de regressão. Acredito que, caso eu retome a regressão um dia, serei conduzido a vidas mais antigas, que era o caminho que as últimas sessões estavam tomando. Mas eram “lembranças” distantes demais, e como senti que as sete vidas já vistas que relato no livro se completavam muito bem, não creio que eu retome as regressões.

Você tentou manter a HQ o mais biográfica possível? O quanto isso pode limitar sua liberdade de criação?
Faz parte do jogo de um escritor ou roteirista romancear e florear um pouco — ou muito — a realidade para que um fato real gere um livro ou um filme interessantes. No caso da história desse livro, porém, posso te assegurar que tudo o que conto foi 99% assim, e não haveria problema algum em romancear mais. Só que tudo foi tão interessante exatamente da forma que aconteceu que o livro só perderia se eu mudasse alguma coisa. Mesmo cenas que vi e que não diziam nada, fiz questão de narrar. Também o que se passou na minha vida pessoal naquele momento, a perda de uma gravidez e uma nova gravidez surgindo nas mesmíssimas circunstâncias que a primeira, formaram uma linda analogia ao tema do livro, que são as vidas que vêm e que vão, e que voltam. As únicas adaptações que fiz foi mostrar cada vida sendo vista em uma única sessão, enquanto eu as via, na verdade, ao longo de duas ou três sessões diferentes; e também tive que criar diálogos onde haviam lembranças de cenas e de fatos, mas não exatamente de falas. Mas foi só isso, não mudei sequer a ordem em que tudo aconteceu. Leia mais

domingo, 20 de setembro de 2009

Os melhores roteiristas britânicos

Já tenho o resultado da primeira enquete deste blog. Perguntei quem era o melhor roteirista britânico. Foi uma vitória fácil. Alan Moore ganhou com 16 votos. Em segundo lugar ficou Neil Gaiman, com 4 votos. Em terceiro, Grant Morrison, com 3. Em quarto, Mark Millar, com 1 voto. James Robinson não recebeu nenhum voto. Assim, o resultado ficou, na ordem:


1 - Alan Moore

2 - Neil Gaiman

3 - Grant Morrison

4 - Mark Millar

5 - James Robinson


O resultado me parece justo. Se me perguntassem, eu colocaria os roteiristas britânicos numa ordem parecida. Só lamento que James Robinson não tenha conseguido nenhum voto. Ah, depois que fechei a enquete que lembrei de outros dois bons roteiristias: Jamie Delano (Hellblazer) e Garth Ennis (Justiceiro). Em todo caso, não cabia tanta gente assim e eles ficam para uma próxima enquete.
A próxima enquete será sobre os roteiristas da Era de Bronze.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Entrevista de Gian Danton a Milena Azevedo

1) Em 2008, na sua coluna do Digestivo Cultural, você escreveu um texto, em tom de desabafo, sobre a situação dos roteiristas de HQs, no Brasil. Todos sabem que uma HQ é composta por signos verbais e não-verbais, e que para que esses signos façam sentido é necessário que o roteirista elabore a história e dê as coordenadas ao desenhista sobre a disposição dos quadros ao longo das páginas; mas, ainda assim, só o desenhista acaba ganhando projeção. Você acha que a saída para essa situação seria a criação de uma Associação Nacional de Roteiristas de HQs, a qual estabeleça pelo menos um piso por página de roteiro, e que o nome do roteirista seja devidamente creditado na história?

Não sei se a criação de uma associação seria a resposta, pelo menos a única resposta. Mas poderia ser uma forma de forçar editores e jornalista a darem crédito aos roteiristas. A situação do roteirista no Brasil é tão complicada que, durante muito tempo, nem mesmo o prêmio Angelo Agotini de roteirista, ia para um roteirista. O Laerte, por exemplo, ganhou o prêmio durante uns cinco anos. Acho o Laerte ótimo, mas é injusto dar a ele um prêmio que deveria ser para roteiristas. No meu texto, eu falo de vários outros exemplos de desrepeito aos roteiristas por parte dos editores, fãs e jornalistas. Nos EUA essa mudança de mentalidade se deu em meados da década de 1970. Na época, a DC Comics contratou Jack Kirby como estrelando achando que o sucesso da Marvel se devia ao Rei. Resultado: as revistas lançadas por Kirby foram um fracasso e a Marvel continuou sua escalada de sucesso. Ficou claro que, embora Kirby seja um desenhista espetacular e um grande criador de personagens e universos, ele não era um roteirista e, portanto, seus plots, não conseguiam conquistar a fidelidade dos leitores. Na Marvel, Kirby era perfeito porque trabalhava com um ótimo roteirista, Stan Lee. No Brasil, esse tipo de percepção ainda não existe.


Além de roteirista, você é professor universitário, escreve livros teóricos sobre a relação ciências e HQs, e colabora com diversos fanzines e revistas eletrônicas. Existe uma linha que separa o "Gian" do "Ivan"?
Engraçado isso. Em Macapá eu sou conhecido como Ivan Carlo e como professor das áreas de marketing, comunicação e metodologia científica. Quase ninguém sabe que produzo quadrinhos e que também uso o nome Gian Danton. Inclusive isso já deu origem a episódios engraçados, como de um grupo de alunos que plagiou um texto meu (que estava na net assinado por Gian Danton) e me entregou! Essa separação Ivan-Gian acabou aconcendo naturalmente, mas virou uma estratégia de marketing, de posicionamento, que tem funcionado bem. Quando comecei, havia um certo preconceito no meio universitário contra os quadrinhos. Eu, um garoto de 24 anos, iniciante no meio de um monte de professores veteranos, não podia chegar falando de quadrinhos, ou não seria levado a sério. Hoje isso não é mais grande problema, pois já sou professor há 10 anos. Muitos dos professores universitários de Macapá foram meus alunos, então não preciso mais provar minha seriedade. Por isso, já começo a fazer essa ponte, mas apenas para os leitores do meu blog.


É sabido que o meio acadêmico ainda é um tanto quanto "fechado" para pesquisas sobre a arte seqüencial. Você já sofreu algum tipo de preconceito dos colegas por trabalhar com essa mídia?
Nunca diretamente, mas sempre houve sim um certo preconceito. Isso é provocado, entre outras coisas, pelo fato de que existem pessoas nada sérias no meio quadrinistico. Também é um preconceito provocado pela idéia de que quadrinho é desenho, sem necessidade de roteiro. Mas com o tempo a gente vai driblando esse preconceito, ao mostrar seriedade. Agora consegui, por exemplo, apresentar meu curso de roteiro para quadrinhos na modalidade a distância para o SENAC Amapá (sou professor de pós-graduação a distância no SENAC há três anos). Tinha apresentado essa proposta há mais tempo, mas só consegui emplacar o curso quando o SENAC São Paulo apresentou o curso e, na matéria de divulgação, me entrevistou. E assim que a gente vai contornando o preconceito...


Como estamos falando sobre roteiristas, quais são seus mestres nos cenários internacional e nacional, e quem você destaca, atualmente, como o melhor roteirista brasileiro de HQs?
Meu grande mestre, sem sombra de dúvidas, é Alan Moore, mas também gosto muito de outros roteiristas, pouco conhecidos no Brasil, como o belga Charlier e o argentino Oestherheld. Tenho até um texto chamado ¨Queria ser Charlier¨. Um bom roteirista tem que ler de tudo, não pode se prender a uma única influência. Quanto ao melhor roteirista brasileiro, boa pergunta. Temos alguns ótimos roteiristas, todos sem reconhecimento. Alguém que eu destacaria é o Leo Santana, que se tornará um grande nome da próxima geração. Tem também o ótimo André Diniz, o Matheus Moura, que está se destacando... existem muitos bons roteiristas. Só falta espaço e reconhecimento.

No seu blog, você posta "dicas" de como criar bons personagens, enredos, ambientações. Alguém já lhe agradeceu por essas verdadeiras aulas gratuitas?
Sim, vários roteiristas entram em contato, elogiando meus textos sobre a arte de escrever quadrinhos. Tenho até um fã em Portugal, que se encarregou de publicar minhas histórias por lá. Infelizmente, esse reconhecimento vem apenas da parte de outros roteiristas, e não de editores e jornalistas.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O paradigma dos três atos nos quadrinhos

Desde o momento em que o homem começou a narrar as primeiras histórias, percebeu-se que havia uma certa divisão que tornava a narrativa mais fluida e interessante. Eram os atos, que, bem utilizados, prendiam a atenção do receptor .
A teoria dos três atos, propostas pelo roteirista e estudioso norte-americano Syd Field é a mais usada. Segundo, ela, um roteiro deve ser dividido em três partes. A primeira parte ocuparia um quarto do texto. A segunda parte, teria metade do roteiro. A terceira, um quarto.
No primeiro ato, são apresentados os personagens e o ambiente em que se passa a história. Essa parte tem a importante função de situar o receptor e fazê-lo simpatizar com o protagonista. É nessa fase que acontece a transferência e o leitor passa a se ver como o herói da história. No final o primeiro ato, ocorre um gancho, que puxa a história. O conflito se estabelece.
O segundo ato engloba a ação e a tentativa do protagonista em resolver o conflito.
Finalmente, no terceiro ato, temos a resolução do conflito.
Na história A Piada Mortal, de Alan Moore e Brin Bolland, os três atos são bem claros. No primeiro ato, acompanhamos Batman, que entra no presídio e conversa com o Coringa. Ele descobre que se trata de um impostor e que o verdadeiro Coringa fugiu. Enquanto isso, vemos o Coringa comprando um velho e perigoso parque de diversões. Os personagens são apresentados, assim como a ambientação da história. Sabemos que a trama irá girar em torno de Batman e Coringa e sabemos que a tentativa do Homem Morcego de entender a relação entre os dois será o tema da história. Ao mesmo tempo, vemos os flash backs do Coringa, mostrando sua tentativa de se tornar um comediante e a morte de sua esposa grávida. Toda essa introdução é usada para criar um clima de interesse no leitor e trazer à baila o tema principal da história: a dualidade, nem sempre nítida, entre loucura (Coringa) e sanidade (Batman).
Então, vemos o Comissário Gordon em sua casa, conversando com sua filha. Ela abre a porta. É o coringa e ele atira em sua coluna. Nesse momento temos o gancho que puxará toda a história. O Coringa seqüestra o Comissário e o submete a um grande stress, obrigando-o a ver a foto de sua filha nua e baleada. Temos duas narrativas paralelas: a busca de Batman em encontrar o Coringa e a tentativa deste de provar que todos são loucos.
O segundo ato termina quando Batman chega ao parque de diversões. A partir desse momento, a história se desenvolve no sentido de sua resolução. Ao contrário do que acreditam os pouco avisados, a Piada Mortal não trata de um conflito físico, mas um conflito mental. A tentativa de resolução é no sentido dos dois personagens compreenderam sua relação. Alan Moore, que adora roteiros em espiral, marca esse gancho com uma frase: “Olá, eu vim conversar.”, a mesma frase que inicia a história. É uma dica de que o conflito se aproxima de sua resolução.
Em outra história do Batman, Cavaleiro das Trevas, temos essa estrutura de três atos a cada capítulo. No primeiro ato, descobrimos que Gothan se tornou uma cidade extremamente violenta e que Batman se aposentou. Agora, Bruce Wayne passa o tempo arriscando a vida em corridas de automóvel. Também descobrimos que o Duas Caras, aparentemente curado, é solto. Sabemos também que Bruce Wayne tem pesadelos com o dia em que caiu num buraco e se viu frente a frente com uma nuvem de morcegos. No mesmo ato, descobrimos que o Duas Caras voltou ao crime. O primeiro ato tem o seu gancho na lembrança da morte dos pais de Bruce Wayne e no morcego que entra pela janela.
A página seguinte, em que uma senhora é atacada por um ladrão, já faz parte do segundo ato. Batman começa ali sua saga para lidar com seus medos, seus demônios interiores. Enfrentar e vencer Harvey Dent é um passo simbólico nesse sentido.
O momento em que o Duas Caras ataca as torres gêmeas marca o início do terceiro ato.
O primeiro ato pode se tornar pouco interessante para o leitor, já que ele é usado para ambientar a história e apresentar os personagens. Há pouca ação. Para tornar a narrativa um pouco mais agitada, alguns autores adotam uma espécie de prelúdio para fisgar a atenção do leitor.
Exemplo disso é Starman, de James Robinson. Na primeira revista vemos Starman sobre um prédio, preparando-se para alçar vôo. O texto exalta o poder do herói e de seu bastão cósmico. Quando, na página 3, o herói começa a voar, um tiro transpassa seu peito. Na página 4, ele está morto no chão de um beco sujo. Esse fato é o gancho que puxa o segundo ato. Na ordem cronológica, ele deveria ser mostrado no final do primeiro ato, já que é a morte do irmão que fará Jack Knight assumir o bastão cósmico, mas isso é antecipado. Só depois desse prelúdio é que conhecemos o personagem principal e o mundo em que ele vive. Essa atencipação do gancho cria interesse no leitor, que continuará lendo para saber como a trama chegou até ali.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Os roteiristas brasileiros

Um dos objetivos deste blog é resgatar e criar uma memória dos roteiristas brasileiros. Para isso, seria interessante criar uma relação dos roteiristas brasileiros, por geração. Coloco abaixo, alguns que me lembro. Se lembrarem de outros, por favor, avisem deixando um recado na caixa de comentários. Atenção: só valem roteiristas. Quem escreve e desenha entra em outra categoria. Outra coisa: só valem aqueles que tiveram uma produção regular.

Primeira geração (até o início da década e 1970)
Rubens Luchetti (várias histórias de terror)
Luis Meri (várias histórias, inclusive de guerra)
Francisco de Assis (escreveu roteiros para a Taika)
Carlos Magno (escreveu muito para a Edrel, e posteriormente, para a Grafipar)
Oscar Kern (roteirista da Disney)
Ivan Saidenberg (roteiristas de Terror da Outubro e, posteriormente, um dos mais importantes roteiristas Disney do Brasil)

Segunda geração (Grafipar, Vecchi)
Júlio Emílio Brás (escreveu roteiro para várias editoras, depois tornou-se autor de livros juvenis) Wilde Portela (fez muito sucesso com o personagem Chet, desenhado pelo irmão, Watson Portela)
Ataíde Braz
Luiz Antônio Aguiar
Ivan Jaff (escreveu roteiros para a Spektro. Depois tornou-se escritor de livros juvenis)
Nelson Padrella (escreveu roteiros para a Grafipar, conhecidos pela poesia e pelo jogo de palavras. Atualmente é um escritor e jornalista respeitado em Curitiba)
Jorge Fischer


Terceira geração (anos 1990)
Gian Danton
Marcelo Marat
Wander Antunes
Roberto Guedes
Dario Chaves
A. Moraes
Alex Mir


Quarta geração (anos 2000)
Leo Santana
Cadu Simões
Leonardo Melo
André Diniz
Matheus Moura
Wellingon Srbek (Solar, Histórias gerais)
Dark Marcos
Gonçalo Jr.
José Salles
Alexandre Lobão
Caetano Neto (Tianinha)
Daniel Esteves
Zé Wellington

domingo, 30 de agosto de 2009

O roteiro nas histórias em quadrinhos

INTRODUÇÃO
Antes de começar a falar diretamente de roteiro e suas técnicas, seria interessante, creio, traçar uma imagem do panorama do assunto no Brasil.
Observa-se, antes de mais nada, uma total falta de tradição de escritores nessa mídia. As histórias em quadrinhos brasileiras têm se caracterizado pelo seu pendor cíclico. Tivemos uma era de ouro dos quadrinhos nacionais na década de 60. Várias editoras publicavam revistas de terror nacionais e algumas se aventuravam até por outros gêneros, como os super-heróis. Nessa época, os poucos roteiristas que atuavam não assinavam seus trabalhos e revelavam nítida inexperiência no ramo. Alguns revelaram que nunca haviam lido HQs e que não começaram a ler, mesmo depois de terem se tornado roteiristas. Desse período um único nome se destaca: Ruben Luchetti.
Depois tivemos um longo período em que as HQs nacionais sumiram das bancas, quase desaparecendo por culpa da invasão dos comics norte-americanos e, principalmente da censura imposta pelo regime militar.
Durante grande parte da década de 70 o panorama das Hqs foi dominado pelo underground, também chamado de undigrundi. A preocupação estética dessas publicações suplantava a preocupação com o roteiro e não vamos ver o surgimento de nenhum roteirista underground. A maior parte dos artistas escrevia e desenhava suas histórias.
O surgimento das editoras Vecchi e Grafipar, no final da década de 70 é que dará ensejo ao aparecimento de roteiristas, tais como Luiz Antônio Aguiar, Júlio Emílio Brás, Ataíde Brás e Nelson Padrella.
No entanto, com a crise financeira que tomou conta do país no início dos anos 80, as revistas fecharam suas portas e os roteiristas migraram para outras mídias. Júlio Emílio Brás e Luiz Antônio Aguiar tornaram-se escritores de livros infanto-juvenis de grande sucesso. Outros se dedicaram à publicidade e ao jornalismo.
O resultado disso é que cada nova geração de roteiristas que surge, em geral, não tem qualquer contato com as geração anteriores. Não há uma transmissão de experiências, ao contrário do que acontece nos EUA, em que os roteiristas novos são orientados pelos mais velhos.
No Brasil a maior parte dos roteiristas não sobrevive no ramo tempo o bastante para apurar o estilo. Por outro lado, aqueles que permanecem atuantes são obrigados a submeter a um tratamento desrespeitoso. Os editores publicam as histórias e omitem o nome dos escritores, ou cortam o texto. Em geral, considera-se o texto menos importante que o desenho e há um certo consenso de que os direitos autorais da HQ pertencem unicamente ao desenhista.
O resultado desse estado de coisas é um círculo vicioso: os roteiristas não têm tempo de se aprimorar e, no geral, abandonam os quadrinhos quando estão minimamente experientes. Os jornalistas e editores, na falta de bons roteiristas, desmerecem o trabalho do texto. A falta de reconhecimento faz com que os roteiristas permaneçam menos tempo no meio.
Este texto é uma tentativa de transmitir uma experiência pessoal, uma tentativa de quebrar o círculo vicioso em que os novos escritores são obrigados a “reinventar a roda” a cada geração.
Desde 1989 venho publicando histórias em quadrinhos em diversas editoras sob o pseudônimo de Gian Danton, algumas delas, inclusive, nos EUA, pela editora Phantagraphics.
O relato que se segue é o resultado de minha observações ao escrever quadrinhos, escrever sobre quadrinhos e ler quadrinhos. Boa parte dos exemplos citados serão provenientes da HQ americana ou européia, o que revela uma forte influência dessas escolas. Talvez no futuro surja uma geração influenciada por roteiristas nacionais. Será o primeiro passo na criação de uma linguagem de quadrinhos tupiniquim.

A LINGUAGEM DE QUADRINHOS
A primeira coisa se observar quando se fala em roteiros para de quadrinhos é que essa mídia tem uma linguagem própria. É certo que ela tanto influenciou quanto foi influenciada por outras mídias, como a literatura, o cinema e as artes plásticas. Mas com o tempo a arte sequencial adquiriu métodos próprios de contar histórias. Essa é a razão pela qual as adaptações de quadrinhos para o cinema e TV têm se mostrado desastrosas.
As Hqs não dispõem dos recursos de movimento e som do cinema. Imaginemos, por exemplo, um filme de terror. É possível transmitir ao espectador o clima tenso utilizando-se apenas de sons subliminares, trilha sonora e movimentos de câmera, sem que seja necessário recorrer ao texto. Nos quadrinhos a mesma cena ficaria, no melhor dos casos monótona e, no pior, incompreensível.
O principal recurso para se criar o clima da história nos quadrinhos é o texto. Ao contrário do que dizem alguns críticos, as Hqs não têm o defeito de darem a história pronta para o leitor. Na verdade, o leitor participa ativamente ao completar a ação entre um e outro quadro. (Ver McCloud, Scott. Desvendando os Quadrinhos). Assim, o melhor texto não é aquele que explica o desenho ao leitor, mas aquele que faz com que ele use ainda mais sua imaginação, completando aspectos que não estão sendo mostrados pelo desenho. Vamos encontrar ótimos exemplos disso no Monstro do Pântano, de Alan Moore. Na primeira história, Lição de Anatomia, observamos um velho correndo do Monstro, enquanto o texto diz:
"Estou pensando no velho. Estou pensando no ranger de suas articulações enquanto corre. Estou pensando no terror de seu coração carcomido e atrofiado. Este é o prédio dele, sabe? Esse é o lugar onde ele se sentia seguro! Agora, o vidro opaco e o metal indiferente zombam do ancião, refletindo sua imagem pequena e amedrontada... como um besouro numa caixa. Como um verme num labirinto".



O exemplo acima constitui aquilo que costumo chamar de texto de ambientação. Não há aqui qualquer preocupação narrativa. O objetivo é ambientar o leitor no clima da história, criando um efeito parecido com o da trilha sonora nos filmes. É uma utilização do texto aparentemente exclusiva dos quadrinhos. O cinema dificilmente usa o texto em off e a literatura, como não dispõem dos desenhos para contar a história, fica presa à função narrativa.
Durante um longo tempo os roteiristas se limitaram à função narrativa. A descoberta de que, ao contrário da literatura, uma HQ pode ser contada apenas com imagens, libertou o texto para exprimir sensações, cheiros, pensamentos e divagações do autor.
Não estou dizendo que narrativa quadrinística é superior à cinematográfica ou à literária, mas ela é diferente e isso deve ser lembrado por qualquer um que pretenda escrever quadrinhos.
Alan Moore ressalta a importância desse tipo de consciência:
"Ao invés de procurar semelhanças dos quadrinhos com o cinema e a literatura, por que não focamos nossa atenção onde os quadrinhos são especiais e únicos? Por que, ao invés de nos preocuparmos com as técnicas cinematográficas que não encontramos nos quadrinhos, não procuramos as técnicas quadrinísticas que os filmes não podem reproduzir?"

CONTEÚDO
Uma vez estabelecida a importância de se encarar os quadrinhos como uma linguagem própria, com seus recursos únicos, torna-se conveniente dividir o roteiro de uma HQ em dois aspectos: conteúdo e forma. O conteúdo é a história em si, a trama, o plot. A forma agrupa os recursos de texto usados para contar essa história.
O conteúdo caracteriza-se pela capacidade de ser condensado. É possível fazer um resumo, ou um sinopse do conteúdo, mas não da forma de uma história. Qualquer tentativa nesse sentido resultaria numa adulteração da forma.
Uma experiência curiosa foi feita pela extinta editora Warren. Eles juntaram uma equipe de desenhistas e roteiristas e apresentaram uma sinopse da história - uma variante do filme King Kong em que a mulher se torna gigante e carrega o macaco para o alto do Empire State. (Essa história foi publicada no Brasil na revista Kripta, 14. Ed. Rio de Janeiro, RGE, 1977) Embora o conteúdo básico fosse o mesmo, essa sinopse resultou em seis histórias completamente diferentes.
A trama pode ser simples e linear. Boa parte das Hqs clássica envolviam tramas simples e lineares: um grupo de bandidos resolve assaltar um banco. No momento do assalto aparece o Super-homem e os prende, provando, assim, que o crime não compensa.
A história linear caracteriza-se por ter um início, um meio e um fim bem delineados e dispensar qualquer complicação no desenvolvimento da trama. As histórias lineares são uma herança da época em que se achava que os quadrinhos fossem uma leitura exclusivamente infantil. Os editores achavam que os leitores seriam incapazes de compreender qualquer tipo de complexidade.
Com o tempo descobriu-se que a faixa etária dos leitores de Hqs era muito mais adulta do que se pensava. Além disso, os recursos gráficos permitiam uma maior liberdade na trama.
A primeira tentativa nesse sentido foi explorar os personagens secundários em tramas paralelas. O Spirit, de Will Eisner, já revelava esse recurso.
Temos, a seguir, o uso do flash back, que subvertia a ordem cronológica da história, tornando-a não linear. O flash back levou um longo tempo para se desenvolver nos quadrinhos. No começo era inevitavelmente acompanhado de uma indicação textual de que os fatos narrados não pertenciam à sequência normal dos acontecimentos, como podemos observar no exemplo abaixo, retirado de uma história do Homem Aranha da década de 70:
"Afetado pela drogas presentes nas garras do Chacal, ele se lembra com dificuldade dos eventos dos últimos dias... de quando foi jogado de cima da ponto do Brooklym pelo Chacal e seu aliando temporário, o Tarântula". (CONWAY, Gerry. Mesmo Vivendo, Eu Morro. Origens dos Super-Heróis Marvel, 6. São Paulo, Abril, agosto de 1997, p. 88)
Os recursos gráficos dos quadrinhos, entretanto, permitiam que essa mudança de tempo pudesse ser feita sem a ajuda do texto. Alan Moore, certamente, apresentou uma inestimável contribuição nesse sentido, tanto em Batman: A Piada Mortal quanto em Watchmen. Aqui a passagem de tempo era indicada por imagens semelhantes. Numa cena de flash back em A Piada Mortal, vemos o Coringa estendendo a mão para a esposa, que ri. No outro quadro, já no presente, ele estende a mão na direção de um boneco de palhaço.
O sucesso de A Piada Mortal demonstrou que o público de quadrinhos estava perfeitamente preparado para compreender uma narrativa não-linear e abriu caminho para experimentações, levadas a cabo, em geral, por artistas ingleses.
Uma das mais interessantes é Skreemer, de Peter Milligan. A história é narrada pelo neto de um personagem secundário, Finnegan, o segurança do mafioso Veto Skreemer. Todos os personagens principais têm direito a flash backs. Além disso, o narrador conta uma trama paralela, a da família Finnegan. O resultados poderia se tornar incompreensível, não fosse a utilização das cores. O colorista Tom Ziuko alterna tons contrastante (para indicar as ações do tempo presente) e suaves (para indicar as lembranças).
Em uma das histórias do Monstro do Pântano (publicada no Brasil em Superamigos, 35), vemos um recurso curioso: a trama é contada do ponto de vista de vários personagens, nenhum deles, entretanto, tem noção do conjunto. Assim, o leitor é obrigado a montar a história mentalmente, como se encaixasse peças de um quebra-cabeça.
Sabe-se que o leitor participa da narrativa quadrinística, completando o vácuo entre um quadro e outro. Entretanto, tais narrativas não lineares reforçam essa participação, sendo, portanto, mais interativas.
Um outro aspecto a se explorar no âmbito do conteúdo é o do gancho. O gancho é algo que puxa a história.
Nesses últimos anos o ganchos assumiu muitas formas. A primeira e mais elementar delas é aquela usada nas tiras de aventura, como as de Flash Gordon. O roteirista deveria em cada tira recordar o gancho da tira anterior, resolvê-lo e criar um gancho para a tira seguinte. Um trabalho difícil que não deixava muito espaço para a profundidade da trama ou dos personagens.
Com o surgimento dos gibis em série, em especial os da Marvel da década de 60 o gancho foi jogado para início e o fim das revistas. No final de cada gibi, Thor estava envolvido com um perigo do qual parecia impossível escapar. Na edição seguinte o herói, evidentemente, desvencilhava-se da ameaça.
Um ponto a ser elucidado sobre o gancho é que ele, à primeira vista, parece associado a situações de suspense, o que é falso. Embora o gancho possa ser usado, com ótimos resultados, para o suspense, essa não é a sua principal aplicação. Como foi dito anteriormente, o gancho puxa a história, ou acontecimentos da história. Uma boa HQ deve ter ganchos que indiquem como será o seu final.
Provavelmente, o gênero em que o gancho é mais facilmente indentificável é o policial. O gancho, nesse tipo de narrativa, é o assassinato de alguém e as indicações de quem é o assassino. Em geral as pistas são jogadas disfarçadamente na história, fazendo com que o leitor não preste atenção nelas e foque sua atenção nas pistas falsas. Não apresentar pistas é um pecado grave nas narrações detetivesca e o mesmo acontece nas histórias em quadrinhos de qualquer gênero.
Ainda no campo do conteúdo, temos um último aspecto importante. Aquilo que Moore chama de idéia da história:
A IDÉIA é aquilo sobre o que trata a história. Não a trama, ou o desenvolvimento da história, mas aquilo sobre o que é a história essencialmente. Como exemplo posso citar a história A Maldição, publicada na revista Monstro do Pântano, 3, editora Abril. Essa história é sobre as dificuldades encontradas por uma mulher em uma sociedade machista, usando o tabu da menstruação como motivo central. Essa não é a trama da história - a trama fala de uma mulher em uma nova casa construída sobre uma tribo indígena e sendo possuída por um espírito que a torna um lobisomem. (MOORE, Alan. Escrevendo Quadrinhos, p. 18)
Dificilmente um roteiro pode ser bom sem ter um tema. Há casos em que a idéia, ou tema da história pode ser facilmente percebida. É o caso da HQ Guerra de Idéias, de Flávio Calazans, que trata da luta entre idéias autoritárias e libertárias. V de Vingança, de Alan Moore, trata do mesmo assunto, mas o tema está tão envolto na trama que não é tão facilmente discernível. Parece óbvio que qualquer um que escreva quadrinhos deveria ter mente o tema de sua história, o que auxiliaria, inclusive, no desenvolvimento da trama.

FORMA
Chegamos, então, ao reino da forma. Esse é um dos aspectos mais difíceis de serem compreendidos e há pouquíssimos estudos a esse respeito. A forma compreende o texto e o diálogo.
Já nos referimos anteriormente, ao texto de ambientação. Vamos encontrar um exemplo desse tipo de texto no álbum Os Companheiros do Crepúsculo, de Bourgeon:
Esta durou, diz-se, cem anos... Nada a distinguiu verdadeiramente daquelas que a perceberam, nem das que lhe seguiram... como o raio e a peste, a guerra abate-se sobre os campos quando menos se espera. De preferência quando os celeiros estão cheios e as jovens são belas... (BOURGEON, François. Os Companheiros do Crepúsculo, 2 : Os Olhos de Estanho da Cidade Glauca. Lisboa, Meribérica, 1989, p. 3)
Novamente, aqui temos um texto sem teor narrativo. Observe-se a linguagem empolada e literária, que distingue a legenda de Bourgeon. O objetivo do autor era adequar seu texto à narrativa historica (a HQ se passa na Idade Média Européia).
Além do texto de ambientação, há outros tipos. Há, claro, o narrativo, como o abaixo, retirado de uma HQ de Sandman, de Neil Gaiman:
E Madoc levou Calliope para sua casa, e trancou-a no quarto mais alto, que havia preparado para ela. Seu primeiro ato foi violentá-la, na velha e mofada cama de armar. Ela nem mesmo é humana, ele disse a si mesmo. Ela tem milhares de anos. Mas sua carne era quente, e seu hálito doce, e ela segurava as lágrimas como uma criança enquanto ele a feria. (GAIMAN, Neil et alii. Sandman, 17. São Paulo, Globo, 1991, p. 8)
Esse tipo de texto, embora de teor narrativo, não é uma simples explicação da ilustração. Ele condensa fatos que levariam várias páginas para serem contados na narrativa quadrinística normal. Esse é, em geral, o tipo de texto narrativo mais facilmente encontrado nos quadrinhos atuais.
A seguir temos os textos que expressam reflexões do personagem. O objetivo aqui é chamar atenção para aspectos que o leitor seria incapaz de perceber apenas pelo desenho. No exemplo abaixo, retirado de Starman, de James Robinson, o autor refere-se a aspectos olfativos:
Hm. eu nunca me canso do cheiro. É sempre assim quando abro a loja... toda vez que inalo, de novo, o ar deste lugar. Respiro fundo. Encho os pulmões. E nunca me canso. Do cheiro de coisas velhas. (ROBINSON, James& HARRIS, Tony. Starman, 1. São Paulo, Magnum, 1997, p. 8)
Dentro do gênero reflexivo, há um tipo provavelmente só encontrado nas Hqs. O roteirista conversa com o personagem, ao mesmo tempo em que narra a história. É caso de Shambala, de J.M.De Matteis:
Mestre das Artes Místicas. Desde que assumiu esse majestoso título, parece ter eliminado a malícia e a mesquinhez de seu coração. Pena que ainda não aprendeu a sorrir. Você caminha, uma criança brincando com as sombras da memória: a imagem do desgraçado que foi se reflete na neve ofuscante. (DE MATTEIS, J.M. & GREEN, Dan. Dr. Estranho em Shamballa. Série Graphic Novel, 17. São Paulo, Abril, novembro de 1989, p. 6-7)
Quanto ao diálogo, a primeira questão que se apresenta é se eles devem ser realistas ou não. No campo dos diálogos realistas um grande avanço foi dado por Frank Miller, em Cavaleiro das Trevas, como podemos observar no diálogo abaixo, entre o Comissário Gordon, um advogado e um policial:
Gordon: Seu cliente entra e sai da cadeia desde que aprendeu a andar! Seu cliente fugiu da cena do crime e baleou um policial com uma arma ilegal! Onde eu pus os charutos, Merkel?
Policial: Na gaveta!
Advogado: Não houve roubo, comissário! Ele não foi identificado como o homem que baleou o policial! Quanto à arma...
Policial: Devia parar de fumar...
Advogado: ... Batman a deixou ali durante sua investida que resultou em dois homens em estado de choque... Outro bem ferido... e meu cliente com um fêmur fraturado! Seus traumas físicos e emocionais...
Gordon: Fósforos, Merkel!
Policial: No colete! (MILLER, Frank. Batman: O Cavaleiro das Trevas, 1. São Paulo, Abril, 1987, p. 37)
O trecho acima exemplifica a técnica de conversa paralela, um dos recursos mais bem sucedidos para tornar um diálogo realista. Gordon faz perguntas ao policial enquanto conversa, demonstrando claramente seu desinteresse pela fala do advogado. A conversa paralela pode ser considerada como uma variante da técnica de corte, muito usada nas histórias em quadrinhos. Nela, o diálogo é subitamente cortado, passando os personagens a falar de outro assunto. Alan Moore usa o recurso na história da Super-Homem Para o Homem Que Tem Tudo:
Lyla: Kal? Por que ainda está olhando pela janela? Todo mundo já foi para casa!
Kal-EL: Por nada! É só que... Bom... eu queria que meu pai tivesse vindo!
Lyla: Bom, ele foi convidado... mas quando eu disse que Allura e Kara estariam aqui, seu pai falou que estava ocupado! Sei que ele brigou com o irmão, mas Zor-EL morreu há três anos...
Kal-EL: E meu pai ainda não fala com Allura e Kara. Totalmente sem sentido!
Lyla: Exato! Por que não visita Jor-EL amanhã, depois do trabalho? Não quero que se preocupe com ele esta noite! Hoje é seu primeiro-dia! Os robôs mordomos vão limpar tudo. Vamos pra cama!
Kal-EL: Lyla, por que você trocou o teatro por isto?
Lyla: Sei lá, Kal! Importa? (MOORE, Alan & GIBBONS, Dave. Para o Homem Que Tem Tudo. Superpowers, 21. São Paulo, Abril, 1991)
Como se vê, o diálogo, que vinha tomando um certo rumo, muda subitamente, dando uma impressão realista, já que na vida real isso acontece na maioria da conversas.
Mas um diálogo não precisa, necessariamente, ser realista. São comuns histórias que exigem diálogos não realistas. É o caso do álbum Os Companheiros do Crepúsculo. No instante em que os habitante de um feudo preparam-se para matar Marionette, pensando-a comparsa de um grupo de soldados que havia saqueado o local, chega o Senhor, que trava com eles o seguinte diálogo:
Senhor: Que raio! Quem ousou fazê-lo? Os franceses ou os ingleses?
Mulher: Franceses, ingleses? Vá-se lá saber... Nenhum desses cavalheiros fala como nós, mas todos se põem de acordo para nos rapinar, violar e deitar-nos fogo também!
Homem: Esta galdéia acompanhava-os! ... e como parece que gosta deles tesos e quentes, vamos grelhar-lhe a pássara. (BOURGEON, François. Companheiros do Crepúsculo, p. 5)
Observe-se que o diálogo segue um caminho linear. Não há mudanças bruscas de assunto. Além disso as impressões são antiquadas. Com isso o autor, Bourgeon, busca reproduzir o falar de uma Idade Média romanscesca, diferenciando-a culturalmente de nossos dias.


BILIOGRAFIA

BOURGEON, François. Os Companheiros do Crepúsculo, 2 : Os Olhos de Estanho da Cidade Glauca. Lisboa, Meribérica, 1989, p. 3
COMPARATO, Doc. Roteiro: arte e técnica de escrever para cinema e televisão. Rio de Janeiro, Nórdica, 1983.
CONWAY, Gerry. Mesmo Vivendo, Eu Morro. Origens dos Super-Heróis Marvel, 6. São Paulo, Abril, agosto de 1997
DE MATTEIS, J.M. & GREEN, Dan. Dr. Estranho em Shamballa. Série Graphic Novel, 17. São Paulo, Abril, novembro de 1989
GAIMAN, Neil et alii. Sandman, 17. São Paulo, Globo, 1991
Kripta, 14. Ed. Rio de Janeiro, RGE, 1977
LYPSZYK, Enrique. História em quadrinhos e seu argumento. in MOYA, Álvaro. Shazan! São Paulo, Perspectiva, 1977.
MCCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. São Paulo, Markron Books, 1995
MILLER, Frank. Batman: O Cavaleiro das Trevas, 1. São Paulo, Abril, 1987
MILLIGAN, Peter & EWINS, Brett. Skreemer. São Paulo, Abril, 1990.
MOORE, Alan, BISSETE, Stephen & TOTLEBEN, John. Lição de Anatomia. Obras Primas Vertigo: Monstro do Pântano., São Paulo, Metal Pesado 1997
MOORE, Alan. Escrevendo Quadrinhos - tradução condensada de Gian Danton. Sequência, 3. Curitiba, set. 1993
ROBINSON, James& HARRIS, Tony. Starman, 1. São Paulo, Magnum, 1997

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Mulher Diaba - roteiro de Ataíde Braz

Mulher Diaba no rastro de Lampião
Autor: Ataíde Braz
Desenhos: Flávio Colin

Página um.
Quadro um.
Cena:
Na caatinga. Um coiteiro puxando uma mula carregada ao lado de um cangaceiro. O coiteiro olha para o horizonte onde nota um vulto que se aproxima. Urubus no céu. O coiteiro é um jovem bonito. O cangaceiro é homem feito e de feições marcadas pelo sofrimento e maldade. O cangaceiro usa cabelos compridos.

Texto:
Nota (antes de qualquer texto):
Esta história é uma ficção, não retrata com fidelidade a vida ou ações de Virgulino Ferreira, Lampião, e seus cabras.

Legenda:
Prólogo:
“Muitos perseguiram Lampião, mas poucos sabem sobre a mulher-diaba, que viveu pelas caatingas, farejando o rastro do temível Capitão!”

Coiteiro: Padim, quem vem lá? Cumpanheiro ou macaco?

Quadro dois.
Cena:
O cangaceiro coloca a mão sobre os olhos para se proteger do sol e enxergar melhor. Ar sombrio.

Texto:
Cangaceiro: Num sei não... Eita! Como é bonito o emborná que ele carrega! Até brilha!

Quadro três.
Cena:
A mulher diaba, com todos os apetrechos de cangaceiro, destacando-se o seu embornal e uma bonita espingarda. Vem se aproximando.

Texto:
Legenda:
“No embornal, o seu segredo, quando no desespero, o peito ardendo de ódio, chamou pelo Vadio: - se é valente como diz, lhe dou o êxtase da carne, em troca quero tudo que desejo!”

Quadro quatro.
Cena:
Ela se aproximou do cangaceiro, este com a mão no punhal e a outra segurando a espingarda. Não se olham diretamente. A mulher olha para o jovem coiteiro que sorri.

Texto:
Mulher Diaba: A mula está carregada. A viagem vai ser longa?

Cangaceiro: Istou indo a casa de tua mãe, prá modê fazê filhos machos, Cabras valentes que faz falta na sua famia!

Quadro cinco:
Cena:
A mulher acende um pito (cigarro de palha). Sorri. Agora se nota que é mulher.

Texto:
Legenda: “O demo atendeu o apelo, chegou e viu a bela morena, deitada na caatinga, nua em pêlo, atiçando o Coisa ruim para gostosa empreitada”.

Quadro seis:
Cena:
A mulher fala, o cangaceiro (Cafuné) cutuca o coiteiro sorrindo. Ela sombria.

Texto:
Mulher diaba: Moço, cabra valente num falta no sertão. O que precisa é de um bode prá colocar calma no cercado.

Página dois.
Quadro um:
Cena:
O cangaceiro vai rodando em volta da mulher cangaceira, que não se amedronta. Pita o seu cigarro, sem soltar a espingarda ou rifle.

Texto:
Cangaceiro: A quenga é cabra com cabelos nas ventas! Onde foi o teu bode, limpar a bunda para melhor me servir?

Coiteiro: Há! Há! Há!

Quadro dois.
Cena:
O cangaceiro levanta a saia da mulher com a ponta da espingarda, mostrando a calcinha dela.

Texto:
Legenda:
“O Tinhoso foi logo pensando: - hoje é sexta-feira santa, vou me regalar na tentação. Meto minha colher nesta carne opulenta que nem parece do sertão!
Engabelo a quenga, como do bom e do melhor, sem nenhuma chateação!”

Quadro três.
Cena:
O cangaceiro foi para frente. Fala com ar de tesão.
Texto:
Cangaceiro: Acabou-se tuas andanças sozinha! Vai me acompanhar pela caatinga e me servir! E se ouvir um resmungo sangro de imediato!

Quadro quatro:
Cena:
A cangaceira sorri, com ar sombrio. Espingarda na mão e o cangaceiro também com a sua.

Texto:
Cangaceiro: Se afasta, José.

Mulher diaba: Homi, a proposta é uma tentação. Eu ia aceitar para modê chegá no Capitão! Mas vosmicê já ta si alembrando de mim!

Quadro cinco:
Cena:
O cangaceiro fala. Andando em circulo, pronto para a luta, meio abaixado com o rifle na mão, em alerta. A cangaceira também.

Texto:
Cangaceiro: Sim, tu fugiu nua de um folguedo em Pernambuco! Tá diferente, não tem jeito de dama!

Mulher diaba: Salvou-se uma volanti quando farejei seu rastro! Sua gordura é muito especiá para mim!

Quadro seis.
Cena:
O cangaceiro pergunta, sempre alerta.

Texto:
Cangaceiro: Gordura?

Mulher diaba: Sim, gordura de animá ruim, que mata e num come. Serve para o meu candieiro acender!

Quadro sete.
Cena:
Chegam mais dois cangaceiros. A mulher abre o embornal.

Texto:
Um deles fala: Adisculpe a demora, Cafuné, mas tem volante por perto.

O outro: Precisa de Ajuda?

O cangaceiro (Cafuné): Se tem volante rondando, sim! Prá modê acabá rápido com a valentia da diaba!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Entrevista com Ataíde Braz

Ataíde Braz foi um dos mais importantes roteiristas da segunda geração de quadrinistas brasileiros. Além de roteirista, ele exerceu a função de editor. Conheça, nesta entrevista um pouco da carreira desse importante escritor:

Onde e quando nasceu?
R: Nasci em 26/08/1955 em Mirandiba, uma vila no sertão de Pernambuco. Pertencia a Comarca de Arco Verde e atualmente é um município..
Como foi a sua infância? Lia muito gibi?
R: Passei a minha infância em Serra Talhada, PE. Foi boa, apesar das limitações, pois a minha família era muito pobre. Como não havia televisão despertando a minha cobiça para coisas que eu não podia ter, vivia feliz com o que tinha. Minha memória sempre foi emocional, por isso minhas lembranças são fragmentadas. Lembro de quando subia a serra, de quando ia ao açude pescar, essas coisas.
Nesta época eu não conhecia os quadrinhos ainda. O único quadrinho que tinha visto foi um gibi do Roy Rogers. Não me despertou muita curiosidade. Mas lembro-me de dois fatos que são responsáveis pelo nascimento do narrador, do contador de histórias. O primeiro destes fatos foi tornar-me aprendiz do responsável pelas projeções de um dos cinemas da cidade. Fazia cortes nos filmes. Eram retiradas cenas de beijos. O curioso é que filmes de ação com muitas mortes violentas eram exibidos sem cortes, exceto para reduzir o tempo de projeção. Minha função era olhar a fita e marcar as cenas que deveriam ser cortadas. Eu tinha uns 8 ou 9 anos. Com esse trabalho informal eu conseguia assistir filmes de graça e ainda ganhava os fotogramas cortados. Infelizmente esse responsável tinha mania de dar tapas e cascudos quando o aprendiz cometia um erro. Como, por exemplo, não marcar uma seqüência onde a mocinha oferecia os lábios para o mocinho. Mas aprendi que tinha que prestar atenção na ação anterior. Por causa dos cascudos os aprendizes não ficavam muito tempo “aprendendo” a profissão.
O segundo fato era o prazer em ouvir uma preta velha contar história de “trancoso” (“causos” de terror) para a molecada, todos sentados na linha do trem. Aprendi com essa senhora a contar histórias. Ela foi a minha primeira professora na arte de contar histórias. Infelizmente não lembro o nome dela.
Quando conheci o aprendiz anterior, tivemos a idéia de juntar nossos fotogramas e assim fazer um “filme” e cobrar ingressos! Eu montei os fotogramas em uma ordem coerente, e narrei a “história” enquanto era projetada. O meu amigo fez o projetor com uma caixa de sapato. Eu não tinha noção da complexidade do que tínhamos feito. Mesmo não sendo uma “obra prima”, foi um sucesso. Esse “amigo” achou que não precisava de mim. E me tirou do negócio, afinal o projetor, a sala da casa e a maioria dos fotogramas, eram dele. Não demorou muito a perceber que o trabalho de colar os fotogramas não era só passar a cola e juntar. E a narração da história também perdeu muito da sua criatividade. Esse “cinema” acabou no segundo filme. E eu descobri que não precisava levar cascudos para assistir filmes de graça. Podia pular o muro como os outros garotos. De todos os aprendizes, creio que fui o que menos levou cascudo.
Quando veio a conhecer os quadrinhos e se interessar por eles?
R: Em 1966 meu pai trouxe toda a família para São Paulo. Foi nesta época que conheci os quadrinhos. Tio Patinhas, Donald, a linha Disney da época. E fiquei maravilhado. Eu não sabia ler, mas a partir das imagens, construía histórias!
Meu irmão mais velho lia os quadrinhos, quando estava de bom humor. Depois ele se recusou a ler, creio que para me fazer ler de verdade. Lembro que o primeiro gibi que li, soletrando em voz alta, sem inventar a história, foi uma edição com a primeira história do Superpateta publicada no Brasil. (“Superpateta e Barzan”, algo assim). Desta história por diante, comecei a conhecer outros tipos de quadrinhos.
Na sua infância realizou alguma história em quadrinhos? Como foi essa experiência?
R: Não. Desenhava os personagens, copiando as cenas, isoladamente, sem ordem coerente. De certo modo isso foi determinante para a minha decisão, anos mais tarde, de ser desenhista de quadrinhos.
Quais eram os quadrinistas e os heróis de sua preferência?
R: Eu não tinha autor preferido ainda. Nem sabia quem era quem. Gostava do “Cavaleiro Fantasma”, “Águia Negra”, “Flecha Ligeira”. Depois veio o Hulk, Homem de Ferro, Namor, Thor e o Demolidor nas edições da Shell e depois pela Ebal. Devorava tudo que encontrava nas bancas de revistas usadas. Foi paixão a primeira vista. E paixão proibida, tolerada apenas enquanto serviam como interesse para eu aprender a ler. O pensamento corrente na época era que quadrinhos faziam mal a saúde mental da juventude. Meu pai me proibiu de ler. Assim eu tinha que contrabandear os gibis para dentro de casa enfiados na calça e cobertos pela camisa. Escondia os gibis embaixo do colchão. Periodicamente eles “sumiam”. E eu tinha que ouvir um sermão para parar de ler “aquelas” porcarias. Não culpo o meu pai, ele fazia apenas o que os “doutores” da época recomendavam que os pais fizessem.
Qual foi o primeiro desenhista de quadrinhos que chamou sua atenção?
R: Nos primeiros quadrinhos que li não prestava a atenção nos nomes dos autores. O primeiro que chamou a minha atenção foi o Fernando Ikoma. Se visse o nome dele na revista eu fazia de tudo para comprar. Gostava de Satan, a alma penada e de Fikom. Os outros autores nacionais eu acompanhava mais pelos personagens, tais como: “Lobisomem”, do Gedeone Malagola e Nico Rosso e quase todas as revistas da extinta Taika e da Edrel.
Até os meus catorze anos eu era um leitor crítico. Analisava as histórias. Intuitivamente. Creio que foi em uma revista do Batman que peguei o hábito de dissecar a história até chegar no “esqueleto”. Por causa disso parei de ler Super homem, superboy, Batman, etc. Percebi que as histórias eram sempre as mesmas com algumas variações.
Dos 14 anos até 17/18 anos estive mais interessado em dançar apertado com as garotas. Só pensei em ser desenhista de quadrinhos quando comecei a me preocupar com o futuro. Queria se médico, psicólogo algo neste sentido. Mas a faculdade de medicina era algo muito distante.
Antes de ser roteirista de quadrinhos, teve alguma profissão?
R: Não. Trabalhei em uma metalúrgica e também em uma construtora. Mas não me adaptei ao trabalho e fiquei pouco tempo trabalhando. Cheguei a pensar em ser enxadrista profissional, pois era um jogador razoável. De tudo que pensei em fazer para ganhar a vida, ser desenhista era o que me parecia mais concreto.
Quando foi que teve a idéia de tornar-se um roteirista de quadrinhos?
R: Em 1976 fui fazer um curso de desenho comercial no Senac. E neste curso eu conheci o Silvestre Mendonça (o professor), meu primeiro Guru. Neste curso também conheci o Kussumoto e o Seabra (que era amigo do Silvestre e apareceu lá para visitá-lo). Foi à primeira vez que conheci pessoas que também pretendiam ser quadrinistas.
No final do curso os alunos tinham que fazer uma revista, uma campanha publicitária, etc, para uma exposição no SENAC. Eu escrevi uma história de 12 páginas para o Kussumoto desenhar, pois seu traço era melhor que o meu. O personagem chamava-se “Manco Capac”. Foi a primeira história que escrevi. Antes eu apenas desenhava, sem construir qualquer história. O Kussumoto comentou que se a gente fizesse uma dupla, tínhamos chances de entrar no mercado mais cedo. E eu pensei que iniciando como roteirista abriria caminho para me tornar desenhista mais tarde. Reescrevi a mesma história em 32 páginas e em 1977 começamos a visitar as editoras.
Qual foi a primeira editora que publicou uma história em quadrinhos sua?
R: Foi a Editora Vecchi, na edição número quatro da Spectro, em janeiro de 1978. A história chamava-se “O Bode”, uma história de lobisomem.
Como foi o seu ingresso no mercado editorial? Foi fácil ou teve alguma dificuldade?
R: Não foi difícil. Tivemos poucas decepções antes de conseguir publicar a primeira história. “Manco Capac” se mostrou inviável, por ser muito longa. Escrevi três histórias depois; “Caçada Mortal” e “Lúcia” com as quais pretendíamos publicar na Kripta ou, segunda opção, na Vampirella da Editora Noblet. Não tivemos sucesso em nossa pretensão. Com estes trabalhos visitamos a Abril e a Noblet. Fomos muito bem recebidos na editora Abril pelo Primaggio e o Rui Perotti. Não havia como utilizar o nosso trabalho nesta editora, mas nos estimularam muito a continuar. Na Noblet conhecemos o Paulo Hamasaki. Ele nos esclareceu que na Vampirela só podiam publicar material da Warren.
Mesmo assim, com uma carta do Primaggio nos apresentando a um amigo da Rio Gráfica e Editora, fomos para o Rio. Não posso dizer que tenham nos maltratados na editora, mas fomos tratados com um profissionalismo distante. Gentilmente nos fez entender que não deveríamos mais encher o saco.
A decepção foi tanta que, mesmo estando hospedados em um hotel quase vizinho da Vecchi, não ficamos estimulados em visitá-la, com medo de ter outra frustração. A nossa visita à Abril e a Noblet tinha sido muito diferente. Saímos destas editoras estimulados e convidados a retornar quando quiséssemos para mostrar outros trabalhos.
De volta a São Paulo, o Kussumoto viu na Spektro o anúncio de dois especiais. Um de vampiros e outro de lobisomens. Resolvemos tentar publicar algo nestes especiais. Escrevi a história “Semente do mal” e “Noite da vingança”, uma história de 20 páginas dividida em duas partes. Antes de terminar de desenhar o Kussumoto achou que não terminaria a tempo. Escrevi outra, de 12 páginas, visando o especial de lobisomem. Então fomos para o Rio novamente, levando na bagagem a história “O Bode”, “Caçada Mortal” e “Lúcia” (Desenho do Seabra com arte final do Kussumoto). Fomos recebidos pelo Ota (Otacílio D`Assunção) como VIPS! Nos hospedou em sua casa e a noite nos levou a residência do Shimamoto! Escolheu a história “O Bode” para publicar na Spektro 4. Retirou uma história importada para abrir espaço para o nosso trabalho.
Como foi que começou a trabalhar na Grafipar?
R: O Seabra nos avisou sobre a Eros, uma revista de história em quadrinhos eróticos. O dono de uma banca de revistas, amigo do Franco de Rosa e do Seabra, conhecia o Faruk, o editor da Grafipar. Escrevi uma história de quatro páginas (Uma ilha, um naufrago...) e, junto com o trabalho do Seabra e do Franco, deixamos com o jornaleiro. E esperamos. Como não veio resposta, fui para Curitiba, fazer um contato direto. A recepção foi muito boa. Fiquei hospedado na casa do Seto. Voltei para São Paulo entusiasmado, com um monte de idéias. Algum tempo depois, Seto veio a São Paulo e me levou a casa de um desenhista novato. Era o Rodval Matias. E assim se formou o primeiro núcleo de quadrinistas paulista da Grafipar. Eu, Noriyuki e o Franco como roteiristas, Kussumoto, Seabra e Rodval como desenhistas.
E o que o você fazia na Grafipar?
R: Eu não tinha um serviço especifico no Grupo de Quadrinhos. Minha função era fazer o que fosse necessário para ajudar o Seto a fechar as revistas. Eu lia roteiros e os remetia para os desenhistas. Respondia cartas dos leitores e dos colaboradores. E, interceptava as HQs importadas que eram enviadas para apreciação do Faruk. O destino deste material era a gaveta.
Você trabalhou na Grafipar durante quanto tempo?
R: Internamente trabalhei uns sete meses. Como roteirista trabalhei na Grafipar durante todo o tempo em que esteve ativa. Afastei-me definitivamente quando ela estava próxima de fechar as portas.
Chegou a se mudar para Curitiba? Como era a vila dos quadrinistas?
R: Sim. Fui o primeiro quadrinista a se mudar para Curitiba. Depois vieram o Itamar Gonçalves, O Franco de Rosa, Gustavo Machado, Fernando Bonini, etc. Eles eram vizinhos, muro a muro, no bairro Três Marias.
Como eram feitas as seleções das histórias a serem publicadas nas revistas?
R: No dia do fechamento eram escolhidas as histórias que havia chegado na redação. Havia um pré-fechamento, pois sabíamos, mais ou menos, o que os desenhistas estavam desenhando e quando enviariam o trabalho para a editora. Eu auxiliava o Seto na escolha, mas a decisão final era dele. Não me lembro dele ter, por qualquer motivo, vetado o trabalho de ninguém. Toda a produção de cada profissional era utilizada. Até aquelas que eram recusadas por outras editoras. Isso transformou a Grafipar na preferida pelos desenhistas. Com o crescente aumento dos títulos, quase tudo que eles desenhavam em um mês eram programados e pagos no mês seguinte. O esquema só não era bom para os roteiristas. Eles não eram vistos como um profissional independente (E, até hoje é assim.). Não importavam quantas páginas o roteirista escrevesse no mês. Só receberiam pelas histórias que fossem desenhadas e programadas em alguma revista.
Os desenhistas tinham que desenhar os roteiros enviados pela Grafipar?
R: Não. Se o desenhista optasse por desenhar suas próprias histórias, tudo bem. Tanto fazia se a história fosse boa ou ruim. Alguns desenhistas, como o Shimamoto, preferiam pegar os roteiros enviados pela Grafipar. Assim ganhava tempo para desenhar. Creio que foi ele quem mais desenhou para a Grafipar. O Itamar Gonçalves era outro que pegava os roteiros. O Eros fazia seus próprios roteiros, mas também pegava muitos roteiros dos roteiristas.
No período de crescimento da Grafipar, a situação do roteirista mudou?
R: Não. O roteirista não tinha qualquer status na Grafipar. Eram tidos como um auxiliar dos desenhistas, para eles não perderem tempo escrevendo histórias e poderem desenhar mais. Claro que isso nunca foi verbalizado, mas a atitude da editora em relação aos roteiristas era essa.
Quais eram os roteiristas que mais produziam?


Carlos Magno e o Padrella competiam entre si para ver qual produzia mais durante o mês. Deste modo garantiam que a maioria das histórias, programadas e publicadas, tinham as assinaturas deles.
E você?
R: Eu perdia feio nesta competição, nunca fui um profissional de grande produção. Gostava, e gosto, de elaborar as histórias. Além disso, como tinha meu salário na Grafipar, por isso só escrevia roteiros para o Kussumoto e para alguma edição específica ou quando entrava na competição criativa que havia entre os roteiristas.
Que competição era essa?
R: Quando um escrevia uma história boa, os outros procuravam superar no mês seguinte. O prêmio desta competição, também não declarada, era receber o elogio dos outros. Creio que esta competição, aliado, é claro, ao senso profissional, foi responsável pelo bom nível de boa parte das histórias publicadas na Grafipar, pois da editora os roteiristas nunca receberam qualquer estimulo para produzir boas histórias.
Quais eram os roteiristas envolvidos nesta competição?
R: Eu, o Padrella, o Carlo Magno e o Fischer. Era uma competição sadia, pois reconhecíamos o talento do colega e queríamos superar um trabalho que julgava bom.
Para quais editoras você trabalhou?
R: Trabalhei para a Editora Vecchi, Grafipar, Ebal, Abril, Rio Gráfica e Editora (Estas duas através de estúdio, uma história do Bionicão, na RGE e uma história do Zillion, na Abril), D-Arte, Nova Sampa, Noblet, Press Editorial, Editora Toni Fernandes, Escala, Opera Graphica e algumas editoras da Europa.
Qual foi o seu melhor trabalho como quadrinista?
R: É difícil escolher. A história “Quinto Grau”, por exemplo. Eu havia cismado de escrever uma história em quadrinhos sem desenho. Chegar à essência da linguagem. Mas todas as minhas tentativas resultavam em roteiro. Quando desisti, passei o roteiro para o Kussumoto. Então, gosto muito desta história, é o resultado desta minha procura pela essência, a linguagem dos quadrinhos. (Anos depois percebi que a literatura de cordel é quadrinho puro, na essência, sem desenhos). E gosto de “Mulher Diaba no rastro de Lampião”, por ter sido desenhada pelo mestre Colin. No erótico gosto muito de “Made in Japan” e “Tatuagem”. Mas, se tenho que escolher uma, escolho “Drácula, a sombra da noite”.
Com quais desenhistas você trabalhou? Destacaria o trabalho de algum?
R: Trabalhei com o Roberto Kussumoto, Neide Harue, Flávio Colin, Franco de Rosa, Seabra, Itamar Gonçalves, João Pacheco, Silvio Spotti, Paulo Yokota, Roberto Fukue, Paulo Hamazaki, Sérgio Lima, Álvaro Rios e Luri Maeda. Cada um deu o melhor de si no trabalho.

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