quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O roteirista profissional: televisão e cinema

Recentemente comprei o livro O roteirista profissional: televisão de cinema, de Marcos Rey. Não é segredo que Marcos Rey é um dos meus escritores prediletos e, depois de ler Esta noite ou nunca, no qual ele romanceia sua experiência como escritor de pornochanchadas, fiquei curioso para ler também esse livro.
Antes de mais nada, é bom avisar que não se trata exatamente de um manual. O autor até dá algumas dicas de como formatar o roteiro, mas não vai muito além da cabeça CENA 1 - LOCAL - EXTERIOR/INTERIOR - DIA/NOITE.
Na verdade, a obra é mais um relato de experiência com o qual podem aprender muito so que forem inteligentes e atentos. Escrito de forma coloquial, a impressão que temos é de estar conversando com um veterano e aprendendo de forma não muito sistemática.
Personagens

Uma das dicas é que Marcos Rey fazia uma espécie de questionário com qual "conversava com os personagens". Perguntas como: "Onde você nasceu? Qual a sua profissão? Gosta dela? Tem alguma religião? Já viveu algum grande amor? Tem algum ideal político? Gosta de repetir alguma palavra?" ajudam a compor o personagem. Todo mundo se lembra, por exemplo, do Coronel da novela Renascer que sempre dizia: "Certo, muito certo, certíssimo!".
No caso dos heróis, é bom dar-lhe um defeito, para torná-lo mais humano: Sherlock Holmes era um dependente de drogas, Poirot um vaidoso, Columbo um relaxado, só para ficar nos detetives.
Também é bom dar marcar fisicamente o personagem. Sherlock Holmes é conhecido pela roupa xadrez, pelo boné e pelo cachimbo. Kojak é careca e fuma uma piteira.
Se a dica é boa para seriados de TV, é melhor ainda para os quadrinhos, uma mídia que depende muito do visual.
RÚBRICAS

São marcações nas falas dos personagens para ajudar o diretor (ou o desenhista) a entender o tom da fala. Por exemplo:

JANDIRA (categórica): Neste hotel não vejo, não escuto, não falo!
PASCOAL (de boca cheia): É bom fazer coisa nova. a freguesia tá mudando!

DIÁLOGOS
Marcos Rey dá uma lição básica, mas importantíssima:
É preferível uma ação muda do que complementada por diálogos inúteis. Imagens também falam.
Nunca coloque em palavras o que a imagem já está tornando explícito.
Nesse sentido, ele critica os primeiros roteiristas de telenovelas, que, vindos do rádio, tinham o vício de fazer os personagens falarem o que estavam fazendo:
JANDIRA: Agora estou abrindo a porta. O que é isso? está tudo escuro? Ligaram uma luz! O quê? Fecharam a porta! Estou presa!
É, tem roteirista de quadrinhos que ainda faz esse tipo de coisa. Aliás, Marcos Rey devia estar pensando nos primeiros comics quando escreveu: "certos autores usam o diálogo como simples muletas de ação. Parece que escrevem histórias em quadrinhos".
NOVELAS
Marcos Rey conta que a maioria dos diretores mexia muito nos seus roteiros a ponto de muitas vezes ele não reconhecer seus textos na tela. De fato, normalmente diretores têm mais poder que os roteiristas e muitas vezes se dão o direito de mexer no texto. Isso só não acontece no caso das novelas. Os roteiristas são as grande estrelas e têm poder absoluto sobre suas novelas. Os diretores não costumam mudar quase nada. E a razão é simples: a produção de telenovelas é tão estafante e apressada que o diretor só tem tempo de filmar e editar. Curioso, não? É justamente o fato das novelas serem uma produção industrial que faz com que elas possam ser obras pessoais a ponto de conseguirmos distinguir o estilo do roteirista. Uma novela de Benedito Rui Barbosa, por exemplo, é completamente diferente de uma do Manoel Carlos.


ADAPTAÇÕES
Talvez o capítulo mais interessante seja sobre adaptações. Uma dica de Marcos Rey: adaptações ao pé da letra, fidelíssimas, são péssimas. De fato, esse talvez tenha sido o maior problema do filem Watchmen. Aliás, passado o vislumbre de ver nas telas uma transposição quase literal dos quadrinhos, o que ficou foram duas criações do diretor: a cena de abertura, com a música do Bob Dylan, perfeita, e o final, cientificamente muito mais correta do que a da história em quadrinhos.
Marcos Rey foi um dos roteiristas da excelente série do Sítio do Pica-pau amarelo da década de 1970. Hoje, 10 em cada 10 críticos diz que aquela adaptação da obra de Monteiro Lobato foi um marco, que encantou toda uma geração, mas na época a maioria dos itelectuais simplesmente odiou. E aí vai outra grande lição: nem sempre quem critica uma adaptação conhece a obra original.
Três exemplos:
1 Os críticos acharam uma heresia colocar uma televisão na sala da Dona Benta, mas não se tocaram que o Lobato já tinha colocado um rádio lá em plena década de 1920, quando esse aparelho era novidade absoluta.
2 Um episódio, Narizinho atômica foi muito criticado por estar deturpando a obra de Lobato. E era adaptação fiel de uma história menos conhecida de Lobato no qual ele falava do perigo das bombas atômicas.
3 A jornalista Cléo foi vista como absurda criação dos roteiristas, mas foi criada por Lobato, um visionário, que já imagina o dia em que as mulheres exerceriam o jornalismo.

5 comentários:

Joe de Lima disse...

Muito interessante esse texto. Sobre parte dos personagens, uma coisa que acontece comigo é que os meus personagens é que me dizem o que vão fazer, ás vezes eu penso uma coisa, mas o personagem simplesmente não se encaixa naquela situação.

Mudando de assunto, Gian eu reparei que o meu tá aparecendo na coluna lateral, valeu a força!

Paulo Aragão disse...

Li muito pouco da obra do Marcos Rey, mas este livro parece interessante e muito útil. Particularmente, nunca gostei das adaptações pra TV do Sítio, nem da série velha nem da nova. Mas a dos anos 70, era menos pior, sem dúvida.

Osvaldo Junior disse...

Eu li o livro "O Roteirista Profissional" inteiro, de Marcos Rey e achei bom. Recomendo pra quem precisa ter uma noções sobre roteirização. Basta ler um livro como esse e já poderá dizer que você tem uma noção sobre o negócio. Caso contrário, se a pessoa nunca leu nenhum livrinho assim... aí ela pode pensar que tem noções enquanto nã o tem. Ler um livro sobre isso pelo menos é também uma questão de segurança!

Osvaldo disse...

"É preferível uma ação muda do que complementada por diálogos inúteis." Isto pode acontecer muito quando não se tem um bom argumento, uma boa ideia, ou seja, uma estória pra contar realmente.
Eu já tive dificuldade neste detalhe. O único jeito de ficar bom mesmo é fazendo, é tentando escrever os "scripts", mesmo que parcialmente.

Osvaldo disse...

"É preferível uma ação muda do que complementada por diálogos inúteis." Isto pode acontecer muito quando não se tem um bom argumento, uma boa ideia, ou seja, uma estória pra contar realmente.
Eu já tive dificuldade neste detalhe. O único jeito de ficar bom mesmo é fazendo, é tentando escrever os "scripts", mesmo que parcialmente.

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