terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Escrevendo quadrinhos: Não mostre tudo

Eu costumo dizer que quadrinho é a arte da elipse. Elipse é uma figura de linguagem em que pulamos parte da frase, deixando restante subentendido. Por exemplo: Maria gosta de mação, João, de morango. O verbo gostar foi pulado, mas o sentido se manteve – é uma elipse.
O que na literatura é um recurso ocasional, nos quadrinhos ocorre o tempo todo. Há sempre um pulo entre um quadro e outro, que deve ser preenchido pelo leitor (aqueles que criticavam os quadrinhos por não estimularem a imaginação do leitor, dando tudo pronto, certamente nunca leram quadrinhos).
Observe o exemplo abaixo, de Will Eisner.

Entre o momento em que o malandro está falando e o momento em que ele está caído no chão, alvejado, houve uma série de ações. O gangster tirou o revólver do bolso (ou de uma gaveta na mesa) apontou, atirou, a bala fez o trajeto da arma até o corpo do rapaz, ele foi atingido e, finalmente caiu. Tudo isso ocorre dentro da cabeça do leitor.
Os melhores quadrinistas são aqueles que conseguem lidar com a elipse, mostrando apenas os necessário, deixando o leitor participar da história.
Observe, por exemplo, a tira abaixo, do Pelezinho. 

O humor está todo na elipse, a graça está em imaginar o que aconteceu entre o momento em que o Pelezinho faz o gol, pula para comemorar e o constrangedor momento em que ele está no chão, com um pássaro nas mãos.
 As elipses pode, inclusive, dar o ritmo da história. Elipses mais curtas, que mostram muito, podem demonstrar lentidão. Na história clássica do Demolidor A queda de Matt Murdock, há um ponto em que Murdock está acabado, derrotado, em um hotel barato, com poucos dólares no bolso. Deitado na cama, ele reflete sobre o que lhe aconteceu e concluí que tudo faz parte de um plano do Rei do Crime e decide se levantar para se vingar. A sequência parece uma câmera lenta: ele começa a se levantar da cama, ele se levanta, ele anda, ele pega na maçaneta da porta.... e no quadro seguinte ele está de volta à cama. A impressão que se tem é de que o levantar para sair foi feito com grande esforço, lentamente, enquanto que a volta para a cama foi rápida, o que mostra o quanto a personalidade do herói foi quebrada.

Na história Pig Ficiton, com desenhos de Antonio Eder, eu usei a elipse para demonstrar rapidez dos acontecimentos. O pulo entre uma ação e outra é tão grande que parece que tudo aconteceu muito rápido, surpreendendo o porquinho que imaginava que iria escapar.
Ou seja: na hora de escrever seu roteiro, tenha em mente que nem tudo precisa ser mostrado. Às vezes o que não mostramos é mais importante do que é visto pelo leitor. 

2 comentários:

Unknown disse...

Dica muito boa! Vou observa com mais atenção os meus velhos quadrinhos e tirar o máximo proveito da lição.

Adriano Leonardo disse...

Muito bem exlicado meu caro Danton! Conheci um pouco do seu raciocínio em uma entrevista sua na Revista Imaginario da Marca de Fantasia. Breve Vou encomendar o seu livro!

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails