quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Entrevista de Gian Danton a Milena Azevedo

1) Em 2008, na sua coluna do Digestivo Cultural, você escreveu um texto, em tom de desabafo, sobre a situação dos roteiristas de HQs, no Brasil. Todos sabem que uma HQ é composta por signos verbais e não-verbais, e que para que esses signos façam sentido é necessário que o roteirista elabore a história e dê as coordenadas ao desenhista sobre a disposição dos quadros ao longo das páginas; mas, ainda assim, só o desenhista acaba ganhando projeção. Você acha que a saída para essa situação seria a criação de uma Associação Nacional de Roteiristas de HQs, a qual estabeleça pelo menos um piso por página de roteiro, e que o nome do roteirista seja devidamente creditado na história?

Não sei se a criação de uma associação seria a resposta, pelo menos a única resposta. Mas poderia ser uma forma de forçar editores e jornalista a darem crédito aos roteiristas. A situação do roteirista no Brasil é tão complicada que, durante muito tempo, nem mesmo o prêmio Angelo Agotini de roteirista, ia para um roteirista. O Laerte, por exemplo, ganhou o prêmio durante uns cinco anos. Acho o Laerte ótimo, mas é injusto dar a ele um prêmio que deveria ser para roteiristas. No meu texto, eu falo de vários outros exemplos de desrepeito aos roteiristas por parte dos editores, fãs e jornalistas. Nos EUA essa mudança de mentalidade se deu em meados da década de 1970. Na época, a DC Comics contratou Jack Kirby como estrelando achando que o sucesso da Marvel se devia ao Rei. Resultado: as revistas lançadas por Kirby foram um fracasso e a Marvel continuou sua escalada de sucesso. Ficou claro que, embora Kirby seja um desenhista espetacular e um grande criador de personagens e universos, ele não era um roteirista e, portanto, seus plots, não conseguiam conquistar a fidelidade dos leitores. Na Marvel, Kirby era perfeito porque trabalhava com um ótimo roteirista, Stan Lee. No Brasil, esse tipo de percepção ainda não existe.


Além de roteirista, você é professor universitário, escreve livros teóricos sobre a relação ciências e HQs, e colabora com diversos fanzines e revistas eletrônicas. Existe uma linha que separa o "Gian" do "Ivan"?
Engraçado isso. Em Macapá eu sou conhecido como Ivan Carlo e como professor das áreas de marketing, comunicação e metodologia científica. Quase ninguém sabe que produzo quadrinhos e que também uso o nome Gian Danton. Inclusive isso já deu origem a episódios engraçados, como de um grupo de alunos que plagiou um texto meu (que estava na net assinado por Gian Danton) e me entregou! Essa separação Ivan-Gian acabou aconcendo naturalmente, mas virou uma estratégia de marketing, de posicionamento, que tem funcionado bem. Quando comecei, havia um certo preconceito no meio universitário contra os quadrinhos. Eu, um garoto de 24 anos, iniciante no meio de um monte de professores veteranos, não podia chegar falando de quadrinhos, ou não seria levado a sério. Hoje isso não é mais grande problema, pois já sou professor há 10 anos. Muitos dos professores universitários de Macapá foram meus alunos, então não preciso mais provar minha seriedade. Por isso, já começo a fazer essa ponte, mas apenas para os leitores do meu blog.


É sabido que o meio acadêmico ainda é um tanto quanto "fechado" para pesquisas sobre a arte seqüencial. Você já sofreu algum tipo de preconceito dos colegas por trabalhar com essa mídia?
Nunca diretamente, mas sempre houve sim um certo preconceito. Isso é provocado, entre outras coisas, pelo fato de que existem pessoas nada sérias no meio quadrinistico. Também é um preconceito provocado pela idéia de que quadrinho é desenho, sem necessidade de roteiro. Mas com o tempo a gente vai driblando esse preconceito, ao mostrar seriedade. Agora consegui, por exemplo, apresentar meu curso de roteiro para quadrinhos na modalidade a distância para o SENAC Amapá (sou professor de pós-graduação a distância no SENAC há três anos). Tinha apresentado essa proposta há mais tempo, mas só consegui emplacar o curso quando o SENAC São Paulo apresentou o curso e, na matéria de divulgação, me entrevistou. E assim que a gente vai contornando o preconceito...


Como estamos falando sobre roteiristas, quais são seus mestres nos cenários internacional e nacional, e quem você destaca, atualmente, como o melhor roteirista brasileiro de HQs?
Meu grande mestre, sem sombra de dúvidas, é Alan Moore, mas também gosto muito de outros roteiristas, pouco conhecidos no Brasil, como o belga Charlier e o argentino Oestherheld. Tenho até um texto chamado ¨Queria ser Charlier¨. Um bom roteirista tem que ler de tudo, não pode se prender a uma única influência. Quanto ao melhor roteirista brasileiro, boa pergunta. Temos alguns ótimos roteiristas, todos sem reconhecimento. Alguém que eu destacaria é o Leo Santana, que se tornará um grande nome da próxima geração. Tem também o ótimo André Diniz, o Matheus Moura, que está se destacando... existem muitos bons roteiristas. Só falta espaço e reconhecimento.

No seu blog, você posta "dicas" de como criar bons personagens, enredos, ambientações. Alguém já lhe agradeceu por essas verdadeiras aulas gratuitas?
Sim, vários roteiristas entram em contato, elogiando meus textos sobre a arte de escrever quadrinhos. Tenho até um fã em Portugal, que se encarregou de publicar minhas histórias por lá. Infelizmente, esse reconhecimento vem apenas da parte de outros roteiristas, e não de editores e jornalistas.

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