Anton Tcheckov foi um dos
principais escritores russos e um dos contistas mais importantes de todos os
tempos. Ele formulou um princípio narrativo básico segundo o qual, “Se você diz
no primeiro capítulo que um rifle está pendurado na parede, no segundo ou
terceiro capítulos ele deve absolutamente ser disparado. Se não irá ser usado,
não deveria estar lá”.
Esse princípio, que passou
a ser chamado de A arma de Tcheckov é tanto uma lembrança da importância da
simplicidade narrativa (deve-se evitar colocar na trama algo que não terá
importância) quanto uma boa dica sobre o que, nos quadrinhos, chamamos de
gancho. Ela também poderia ser formulada da seguinte maneira: “Se no segundo
capítulo alguém vai disparar um rifle, no primeiro capítulo essa arma deve
aparecer pendurada na parede”.
Algo que é simplesmente
jogado na trama, sem ter uma razão narrativa pode parecer para o leitor como
uma ponta solta. Por outro lado, se algo relevante para a trama não é mostrado
antes, pode parecer um deus ex machina. Exemplo: uma mulher está sozinha em
casa. Entra um estuprador. Ela pega a arma para se defender. Se a arma não foi
mostrada antes, vai parecer que aquele objeto surgiu do nada, um deus ex
machina.
Um ótimo exemplo de bom uso
da arma de Tcheckov é o segundo capítulo da série Grande Astros Superman, com
roteiro de Grant Morrison e arte de Frank Quitely.
Na história, Superman,
sabendo que vai morrer, leva Lois Lane para a Fortaleza da Solidão. Mas há algo
misterioso acontecendo e a repórter pode estar em perigo.
Logo no início, o Homem de
aço mostra alguns tesouros de sua coleção, incluindo uma arma de raio laser de
kryptonita. Na sequência seguinte, Lois vê uma sala aberta e tenta entrar, mas
é impedida pelo Superman, que lhe diz: “Vá aonde quiser nessa fortaleza, mas
considere essa sala proibida”.
Sozinha, Lois começa a se
indagar se os novos poderes não mexeram com a personalidade do herói: “E se ele
ele estiver com algum problema mental e me trouxe para fazer parte de algum
experimento macabro que prepara naquela sala?”. Temendo isso, ela decide que
precisa se preparar. O que ela faz? Vai na sala de troféus e pega a arma que
foi mostrada logo no início da história!
O exemplo pode dar a
entender que a arma de Tcheckov se aplica apenas a pistolas, rifles e
espingardas, sejam elas convencionais ou tecnológicas.
Mas não.
Na própria história
analisada temos um outro exemplo de utilização desse princípio: a sala proibida
que Lois tenta entrar. Há ali diagramas femininos que a fazem pensar que se
trata de uma experiência científica que teria ela como objeto.
No final, entretanto,
Superman explica o que aconteceu: “Parece que o robô 7 teve um problema de
processamento de dados. Ele deixou a porta do laboratório aberta enquanto eu
sintetizava uns compostos alienígenas. Gases que podem induzir distorções
visuais e reações paranoicas extremas”.
Se voltarmos à página em
que isso acontece, de fato há uma espécie de nuvem de gás azul saindo da sala e
envolvendo Lois Lane. Esses gases saem de um frasco de vidro à frente do robô.
E a explicação para os
diagramas femininos era simples: Superman estava produzindo uma roupa extremamente
tecnológica para Lois, adaptada inclusive ao seu código genético para que ela
tivesse um dia como super-heroina.
Tudo estava ali, desde o
princípio, bem claro, na frente do leitor. Como o rifle de Tcheckov.
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