segunda-feira, 18 de março de 2019

Como escrever quadrinhos - ambientacão

O homem que batizou o Noturno: entrevista com Luiz Antonio Aguiar

 

Se você lê quadrinhos, certamente já teve contato com o trabalho de Luiz Antônio Aguiar, por mais que não saiba. Ele foi o roteirista responsável, por exemplo, pela versão em quadrinhos do Sítio do Pica-Pau Amarelo (lembra? Tinha até chamada na TV!). Além disso, ele escreveu muito tempo para a divisão Disney da Abril e fez histórias que devem ter divertido você.
Luiz também teve a oportunidade de trabalhar com personagens próprios na época em que participou de uma das mais famosas revistas do quadrinho nacional, a Spektro, editada pelo OTA, que hoje é responsável pela MAD.
Luiz tem em seu currículo alguns trabalhos curiosos. Na época em que era assistente na RGE, ele ajudou a batizar alguns dos personagens mais queridos dos fãs. Foi ele que batizou o Noturno e a Tempestade e evitou que o Wolverine fosse chamado de Carcaju.
Nesta entrevistas, feita por e-mail, Luiz, que atualmente é escritor de literatura infantil, fala de sua experiência com quadrinhos, explica porque a RGE deixou de trabalhar com gibis e diz que sente falta dos “CA- POU” e dos “ BUUUMM”.

1) Como começou a sua relação com os quadrinhos? O que vc lia? quais eram seus autores prediletos?
Começo em criança. Aprendi a ler no Tio Patinhas e as histórias de Carl Barks sempre foram a minha fascinação. Entrei na Disney pensando sempre em escrever histórias como aquelas. Consegui, mas só algumas.

2) Você, quando era só um leitor, já imaginava tornar-se um roteirista de quadrinhos? 
Nunca, quadrinhos sempre foi curtição para mim. Mesmo hoje, muito afastado do mercado e do ofício, já que me dedico à literatura Infanto Juvenil, continua sendo assim: quero relaxar, pego um Donald.

3) Como você começou a escrever quadrinhos?
Em 77, para pagar minha segunda faculdade. Comecei fazendo roteiros para a Revista do Sítio do Picapau Amarelo, da então Rio Gráfica Editora (que depois virou Globo e foi para São Paulo).


4 – Você começou a escrever a convite de alguém ou foi atrás da editora?
Eu fui atrás. Precisava ganhar dinheiro para pagar o curso de sociologia na PUC (já tinha me formado em Comunicação), até por uma questão de brio. Sabia que o curso não era para valer, era só desculpa para continuar fazendo política estudantil, e não queria descarregar essa em cima do meu pai. Apareci na Editora com um roteiro, que foi comprado, e passei a escrever outros.

5 - O Sítio do Pica-Pau chegou a vender muito, não foi? Pelo que me lembro, tinha até anúncio na TV.... Como era para você essa reação positiva do público? Como foi o seu trabalho na RGE?
Depois, em 79, fui trabalhar como assistente de editora, na RGE. Todas as revistas de lá passaram pela minha mão. Dei nome a um bocado deles, do inglês, inclusive a uns X-Men da vida. O Wolverine, por exemplo, apareceu nas primeiras revistas como Carcaju. Uma aberração. Resolvi apenas deixar como o chamavam em Inglês. Batizei também o Noturno e a Tempestade. Trabalhei, sim, com a Kripta, e foi uma belíssima revista que inspirou muita gente. Quanto ao Sítio, caiu muito a vendagem depois que saiu da tevê, mas ainda se sustentaria. Ocorre que a direção da RGE na época, por incrível que parecesse, não tinha a menor boa vontade com quadrinhos. Queriam todos era deixar de ser editores de quadrinhos, coisa de que não entendiam, nem gostavam, e foram desinvestindo no setor, para abrir outras revistas, muitas delas fracassadas, em outras áreas. Quando a galinha dos ovos de ouro foi finalmente estripada, fecharam 12 revistas, das 15 que havia - isso foi em 83 - e demitiram quase toda a redação. Tempos depois, foram para São Paulo e mudaram de nome e de direção, mas aí já é outra história, que inclui até o Maurício de Souza.

6 - O fato de vc ser um escritor de quadrinhos e literatura deve dar-lhe uma perspectiva interessante. Quais são as diferenças de narrativa?
Na literatura há mais espaço para o texto e, de certa forma, mais flexibilidade para composição de personagens e ritmo de trama, coisas que, em quadrinhos, ficam com o desenhista. Mas sinto falta dos CA-POU! e dos BUUUUUMMM!


7-  Como foi a experiência com a Vecchi?
Excelente, pelas pessoas com quem trabalhei, desenhistas como Júlio Shimamoto, que foi meu parceiro favorito por lá. Depois, fizemos um albúm juntos, Nos tempos de Madame Satã. O Shima era fantástico. Foi a minha chance de começar a criar personagens meus. Fizemos umas séries bastante originais, em terror e faroeste. O Otacílio sempre deu força para a gente criar à vontade. Pena que a Editora foi canibalizada de dentro para fora pelo despreparo e falta de profissionalismo da direção.

8 - Quais foram os melhores desenhistas com os quais você trabalhou? Por quê?
Shimamoto, sem dúvida, pela intensidade que ele acabava dando à história, e Guidacci, com quem fiz o Indecências e desmandos do herói Macunaím em sua passagem pela história da terra-Brasil. O Guidacci é uma verdadeira enciclopédia de recursos de desenho. Ambos são fenomenais. Fiz boas histórias com o Mozart Couto, também, uma revista de histórias de futebol muito manêra, com personagens meus, a Futebol e Raça.

9 – Quais foram os seus últimos trabalhos em quadrinhos? Por que parou de fazer HQ?
Não me lembro bem dos últimos trabalhos, mas creio que foram os Disney, ainda, na Abril, e o que fiz no Estúdio Artecômix, inclusive o Futebol e Raça. Larguei HQ porque o mercado de produção nacional de massa se extinguiu. HQ hoje é cult, muito restrito, a produção nacional, bem entendido, e esse nunca foi o meu barato. Produz-se muita coisa boa, mas eu sempre sonhei mesmo é em ver a garotada comprando aos montes minhas histórias, como eu fazia, e se esbaldando, sem mais nem menos.

10 – Já aconteceu de você entregar um roteiro para o desenhista e o desenhista não entender a proposta e estragar a história? O que você fazia para evitar isso?
 O melhor é ir fazendo junto, coisa que existe pouco no circuito comercial. Pelo menos um contato, uma discussão cena a cena, é sempre bom. Mas o que mais aconteceu comigo foi de o desenhista dar belas interpretações que avivaram o roteiro.

11 – Qual é o segredo para escrever um bom roteiro?
Imaginar a coisa passando na cabeça da gente, é óbvio. Se perder de vista o que está fazendo, não funciona. Tem de conseguir ler o próprio roteiro como se estivesse na revista. Assim, a gente vê o que funciona e o que não funciona. E, ah, sim, lembrar que tudo o que a gente faz bem, literatura ou roteiro de quadrinhos, não faz nem por vaidade nem por exercício de virtuosismo, mas para ser lido por outras pessoas. Senão, é sexo solitário.


12 – Você sente vontade de voltar a escrever quadrinhos?
Sim, se houver uma chance de quadrinhos de massa, muito, muito lidos, voltarem a circular. Hoje, além do Maurício e o que ainda tem do Disney, isso não existe mais. Quadrinhos Cult não são a minha praia, apesar de ter feito o Macunaíma e o Madame Satã, citados em antologias e enciclopédias de quadrinhos. Meu barato seria uma revista que todo mundo pudesse ler, e gostasse de ler, não apenas quem é aficionado em quadrinhos.

domingo, 17 de março de 2019

Charlier, o mestre dos quadrinhos belgas



Um dos meus roteiristas prediletos é o belga Jean-Michel Charlier.
Charlier foi uma das mentes brilhantes que projetaram a HQ franco-belga pela Europa e construiram um gênero que une qualidade a popularidade, pelo menos no velho mundo.
A primeira vez que tive contato com seu trabalho foi no número 21 da série Graphic Novel, da editora Abril, que publicou a primeira história de Blueberry. Quando li a biografia e vi sua foto com o sorriso bonachão, os óculos pendurados e um charuto na boca, disse para mim mesmo: esse é o cara!

Charlier, além de ter um texto genial, era eclético. Escrevia em qualquer gênero, para qualquer desenhista e qualquer faixa etária. Para os desenhos de Uderzo (ilustrador de Asterix) criou uma série de aventuras sobre dois aviadores, Tanguy e Laverdure. 
Para o traço clássico de Hubinon criou uma série infantil, Barba Negra. Além disso, escreveu programas de televisão e reportagens especiais.

Mas sua maior criação foi Blueberry, o cowboy cara de pau, inveterado jogador de pocker. 
O sucesso do personagem não foi só por sua causa. Blueberry juntou o melhor roteirista da Europa com o melhor desenhista do velho continente: Moebius, que começa tímido nos primeiros capítulos e depois solta todo o seu traço detalhista, mais apreciado nas cenas de saloons, nos quais se podia contar 20, 30 pessoas. Cada vinheta de Blueberry é um verdadeiro quadro, a ser apreciado com gosto e atenção.

E Blueberry era um personagem perfeito para os novos tempos: não era um mocinho que sempre fazia o bem, mas costumava se importar com os índios, característica que fez dele um diferencial nos quadrinhos de faroeste. Além disso, bebia e parecia ter tantos defeitos quanto qualidades (anos depois, essa tendência de cowboy humano seria muito bem aproveitada em Ken Parker).
Levei muitos anos vasculhando sebos, encontrando aqui e ali edições portuguesas de Tangui e Laverdure e do Barba Ruiva. E a cada álbum que lia eu me encantava mais. Gostava especialmente do fato de que Charlier não parecia estar querendo fazer uma obra-prima, mas simplesmente contar uma boa história. Roteirista que se levam a sério demais,  que se acham gênios, costumam ser maçantes.

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