domingo, 17 de dezembro de 2017

Pense no texto como um todo


Quando for escrever o texto de sua história em quadrinhos, pense no texto como um todo, e não como elementos isolados. Um dos principais erros dos iniciantes é isso: não interconectar os textos, especialmente da legenda. O leitor deve sentir que o roteirista pensou a história como um quebra-cabeça em que cada parte do texto se encaixa para compor algo maior.
Um exemplo disso é minha história em quadrinhos Refrão de Bolera, com desenhos de Bené Nascimento e publicada em diversas revistas da editora Nova Sampa, no início da década de 1990.
A história mostrava uma paulistana que chegara a poucos dias em Belém envolvida em várias aventuras eróticas. Nessa primeira parte da HQ, a personagem se desmancha em elogios para Belém e a chama de “cidade de cartão postal”.
No ponto de virada a história ela é assaltada, tem a mão cortada, volta ao hotel, descobre que alguém fechou sua conta e levou todas as suas coisas. Assim, ela se vê sozinha, sem dinheiro ou amigos numa cidade que não conhece, e uma cidade violenta (eu escrevi essa história depois de ter sido assaltado).
No final, a protagonista se senta na escadinha da beira-rio (famosa na época), segura o corte da mão para evitar que ele sangre mais e pensa:
Eu tinha uma bolsa. Eu tinha um conversível. Eu tinha um apartamento e algumas gramas de cocaína. Eu tinha dinheiro no banco. Agora só tenho um corte na mão... e uma cidade de cartão postal.

O leitor, ao lê isso, percebe que todo o texto foi pensado como um todo, uma vez que a primeira parte do texto se encaixa com a última, dando um outro sentido para a palavra “cidade de cartão postal”. 

Construindo um estilo

O Nome da Rosa, de Umberto Eco, é o resultado de diversas influências

Na prática da escrita não existem gênios que surgem do nada, com um estilo próprio e revolucionário. Todo grande escritor é fruto de suas leituras. Todo grande escritor se assenta sobre os ombros dos que vieram antes dele. Só para citar um exemplo mais famoso: O nome da Rosa, de Umberto Eco é o resultado de uma série de influências, entre elas, principalmente Conan Doyle (o nome do protagonista, Guilherme de Barskerville, é uma referência direta aos romances de Sherlock Holmes) e Jorge Luís Borges (o nome do vilão, Jorge, é uma referência direta ao escritor argetino).
Na verdade, o estilo de um escritor é o resultado de suas influências literárias em conjunto com sua experiência de vida. Essa sopa, bem temperada, dá origem às grandes obras.
Isso não significa copiar um autor, mas absorver um pouco de vários e digerir essas influências. Com um autor você pode aprender narrativa, com outro diálogo, com outro a forma de lidar com as elipses quadrinísticas, outros sobre a estrutura da trama... cada um tem algo a nos ensinar.
Quando comecei a escrever quadrinhos durante algum tempo tive uma produção prolixa, já que a editora Nova Sampa, para a qual eu trabalhava, comprava praticamente tudo que eu escrevia. Isso me permitiu fazer um exercício que recomendo a todos novos autores: fazia histórias imitando o estilo deste ou daquele roteirista. Em uma HQ seguia o modo de escrever de Neil Gaiman, em outro, o de Grant Morrison e em outro, o de Alan Moore (só para citar os que mais me influenciaram). Para fazer isso eu precisava estudar o estilo de cada um para fazer a “história homenagem”.
Miracleman foi uma das obras que mais me influenciaram no início de carreira

Acabei gostando da brincadeira e produzi um fanzine literário, Ideias de Jeca-tatu em que, a cada número publicava a biografia de um escritor e um conto-homenagem no estilo dele. Foram homenageados Monteiro Lobato, Machado de Assis, Edgar Allan Poe, entre outros. Com cada um eu aprendia algo, fosse o humor lobatiano, o clima poético de Poe, o sarcasmo sutil de Machado.

Ao final, meu próprio estilo foi se definindo. Um estilo que não era uma imitação de nenhum desses escritores ou roteiristas, mas uma mistura de todos eles, uma sopa antropofágica da qual emergiu minha própria maneira de escrever e bolar tramas. 

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Livro ensina como escrever quadrinhos


O livro Como escrever quadrinhos ensina os fundamentos básicos do roteiro a partir da experiência do premiado roteirista Gian Danton. Valor: 25 reais (frete incluso). Pedidos: profivancarlo@gmail.com.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

O processo de produção de Alfa, a primeira ordem


Alfa, a primeira ordem, é um projeto idealizado por Elyan Lopes (Elenildo Lopes) unindo diversos heróis brasileiros da atualidade com heróis clássicos como o Capitão 7. 
Eu fiquei responsável pelo roteiro e a revista passou por um processo de criação interessante e inédito para mim. Pela primeira vez trabalhei com o plot de outra pessoa. O Elenildo me passava o plot, muitas vezes eu fazia sugestões e, aprovadas as sugestões, eu escrevia o roteiro. Para demonstrar como foi esse processo, do plot à página final, coloco alguns elementos criativos de uma das sequências. 
Em tempo: Alfa, a primeira ordem, está sendo lançado este mês e poderá ser adquirido através do site da editora Kimera.  

O plot
Sequência 4 – Inimigo imortal
Dante Investigação: Op. Bravos: Sucesso.
Em algum lugar das Chapada dos Guimarães – Minas Gerais

Para tentar explicações sobre os heróis nacionais e todo esse descaso ele resolve pesquisar os heróis antigos brasileiros e acaba encontrando um registro de uma luta antiga contra um vilão chamado considerado imortal no local conhecido hoje como chapada diamantina contra os heróis chamados de A Primeira Ordem que reunia vários super-heróis nacionais como Capitão 7, Capitão Gralha, O Flama, Raio negro e Homem Lua Capitão RED está certo que alguém muito poderoso fez tudo isso sem nenhum registro em meio a um colossal conglomerado de buracos gigantescos e instalações recentemente abandonadas em meio a vegetação da região. Ele foi para ali baseado em suas pesquisas internas na operação batizada de Operação Bravos, uma operação abandonada pelas autoridades que ele mesmo resolveu dá continuidade com seus amigos na PF. Quando de repente sofre um golpe na cabeça. Ao acordar está de frente a uma espécie de espelho gigantesco em formato de ^ em sua cabeça refletindo-o então algo muda e no lugar no mesmo lugar onde sua imagem era refletida agora surge a sua versão feminina passando através do espelho e quase o beijando. Então a alguém o questiona da escuridão sem mostrar o rosto. Não acha que foi muito longe Capitão? Flama espiona o Capitão R.E.D que está cercado de clones mascarados sendo torturado. Quando de repente o Capitão R.E.D começa a reagir então o mesmo entra na briga e juntos derrotam os clones mascarados e se tornam amigos depois disso.


O roteiro 


Página 13

Q1 – O Capitão Red num campo, na chapada diamantina. Ele está de frente para nós, andando, com a chapada ao fundo. 
Texto: Chapada diamantina.
Texto: Seu nome é Capitão Red e ele sente que este é o lugar.
Texto: A maioria das pessoas só consegue ver o mundo como peças soltas de um quebra-cabeça. Mas não o Capitão Red.
Q2 – Close do Capitão.
Texto: Ele foi treinado para ver o conjunto, para ver as conexões entre fatos isolados.
Para montar o quebra-cabeça.
Q3 – O herói andando, sempre de frente para nós (na página seguinte vamos mostra-lo de costas e mostrar o que ele está vendo, ok?).
Texto: As notícias aparentemente aleatórias na TV. O caos se alastrando pela sociedade.
Q4 – O Capitão andando.
Texto: Peças soltas que não pareciam fazer sentido. Mas para ele fez. E, de alguma forma, suas investigações o trouxeram até aqui, à chapada diamantina.

Página 14
Q1 – Splash page dos heróis do passado (Flama, Capitão Gralha, Capitão 7, raio Negro, Homem-lua) lutando contra uma versão de Ares.
Texto: Os velhos se lembram de uma época em que heróis voaram sobre este local.
Texto: Eles vieram dos mais variados locais para enfrentar uma ameaça terrível. E desapareceram.
Texto: Mas o que eles deixaram para trás…

Página 15
Q1 – Splash page. O capitão parado, olhando para cima, diante de uma enorme estrutura alienígena. Quadro de impacto.
Texto: … é impressionante!

Página 16
Q1 – O Capitão Red entrando na estrutura. 
Texto: Ele entra na estrutura enorme, sentindo-se pequeno.
Q2 – O Capitão olhando à volta, ao ambiente que parece uma catedral gótica alienígena. Ele parece inebriado.
Texto: No passado, grandes heróis lutaram aqui: O Capitão 7, o Flama, o Homem-lua, o Capitão Gralha, o Raio Negro. Este local está impregnado de heroísmo...
Q3 – Algo bate na cabeça do capitão e ele cai.  
Texto: ...E mistério!
Q4 – O Capitão abre o olho. Ele está preso, braços presos ao teto. Em volta dele vários clones com armas de raios que se parece com chicotes. Há um espelho na frente dele.
Capitão: Onde... onde estou?
Texto: Ele acorda. Sua cabeça é um emaranhado de fios descapados de eletricidade e dor...  
Q5  - O capitão num ângulo mais aberto, mostrando ele em frente ao espelho. Uma voz fala com ele, na escuridão. Uma versão feminina sai do espelho e anda na direção dele. Faça o quadrinho esfumaçado, como se fosse um sonho. Voz em off, em balão diferente, como se fosse parte do sonho.
Texto: ... e delírio.
Voz: Capitão...
Q6 – A versão feminina se aproxima do Capitão, sedutora.
Texto: Ele vê uma versão de si mesmo, feminina, vinda de sonho, de outra realidade ou de seu subconsciente. E uma voz fantasmagórica que reverbera, aumentando a cefaleia.
Voz: Não acha que foi longe demais?

Página 17
Q1 – O capitão sendo açoitado pelos clones.
Texto: A visão e a voz desaparecem, como num sonho e em seu lugar sobra apenas a dor. Ele se pergunta se este será o dia de sua morte...
Q2 – Vemos o Flama em primeiro plano, no alto, de costas para nós, vendo o capitão sendo torturado. Ele está agachado, pronto para pular.
Texto: ... mas hoje talvez seja seu dia de sorte.
Q3 – O Flama pula sobre os clones.
Flama: Ei, rapazes. Ninguém em convidou para a festa?
Q4 – Flama chutando um dos clones enquanto o outro fala.
Clone: Quem é esse?
Q5 – Flama chutando clones enquanto os outros tentam acertá-lo com os chicotes.
Flama: Mais respeito com a história! Sério que ninguém nunca ouviu falar do Flama?

Página 19
Q1 – Flama soltando o Capitão.
Flama: Acho que o amigo também vai querer tirar uma lasquinha...
Q2 – O Capitão, solto, vai na direção dos vilões, socando a própria mão, num gesto de quem está preparado para bater.
Capitão: Pode apostar nisso!

Q3 – Quadro de impacto, ocupando dois terços da página do Capitão e de Flama detonando com os vilões. 

O rafe 
Rafe é um esboço da página, com desenhos soltos, que servem mais para orientar o desenhista na confecção da página. Também serve para que o editor e o roteirista possam identificar alguma mudança necessária antes da página final ser produzia. Neste caso, não houve muitas mudanças. 
A página em lápis 
Aqui temos a página já sendo desenhada na sua versão definitiva mais ainda inacabada. Abaixo, a versão final do lápis mais detalhado. 
Versão final 
A arte-final e as cores foram feitas no computador. Aqui o resultado final. 
Gostaram? Alfa, a primeira ordem é um projeto incrível e que tenho muita honra de ter participado. Se ficou interessado, entre no site da editora Kimera.  

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