domingo, 17 de dezembro de 2017

Construindo um estilo

O Nome da Rosa, de Umberto Eco, é o resultado de diversas influências

Na prática da escrita não existem gênios que surgem do nada, com um estilo próprio e revolucionário. Todo grande escritor é fruto de suas leituras. Todo grande escritor se assenta sobre os ombros dos que vieram antes dele. Só para citar um exemplo mais famoso: O nome da Rosa, de Umberto Eco é o resultado de uma série de influências, entre elas, principalmente Conan Doyle (o nome do protagonista, Guilherme de Barskerville, é uma referência direta aos romances de Sherlock Holmes) e Jorge Luís Borges (o nome do vilão, Jorge, é uma referência direta ao escritor argetino).
Na verdade, o estilo de um escritor é o resultado de suas influências literárias em conjunto com sua experiência de vida. Essa sopa, bem temperada, dá origem às grandes obras.
Isso não significa copiar um autor, mas absorver um pouco de vários e digerir essas influências. Com um autor você pode aprender narrativa, com outro diálogo, com outro a forma de lidar com as elipses quadrinísticas, outros sobre a estrutura da trama... cada um tem algo a nos ensinar.
Quando comecei a escrever quadrinhos durante algum tempo tive uma produção prolixa, já que a editora Nova Sampa, para a qual eu trabalhava, comprava praticamente tudo que eu escrevia. Isso me permitiu fazer um exercício que recomendo a todos novos autores: fazia histórias imitando o estilo deste ou daquele roteirista. Em uma HQ seguia o modo de escrever de Neil Gaiman, em outro, o de Grant Morrison e em outro, o de Alan Moore (só para citar os que mais me influenciaram). Para fazer isso eu precisava estudar o estilo de cada um para fazer a “história homenagem”.
Miracleman foi uma das obras que mais me influenciaram no início de carreira

Acabei gostando da brincadeira e produzi um fanzine literário, Ideias de Jeca-tatu em que, a cada número publicava a biografia de um escritor e um conto-homenagem no estilo dele. Foram homenageados Monteiro Lobato, Machado de Assis, Edgar Allan Poe, entre outros. Com cada um eu aprendia algo, fosse o humor lobatiano, o clima poético de Poe, o sarcasmo sutil de Machado.

Ao final, meu próprio estilo foi se definindo. Um estilo que não era uma imitação de nenhum desses escritores ou roteiristas, mas uma mistura de todos eles, uma sopa antropofágica da qual emergiu minha própria maneira de escrever e bolar tramas. 

Um comentário:

jjmarreiro disse...

Excelente texto. Com músicos, pintores e desenhistas acredito que aconteça parecido —talvez até inconscientemente. Em algumas bandas é fácil perceber a tendência do som, a semelhança entre as identidades harmônicas e no desenho o jeito de resolver anatomia , cenários, ângulos de enquadramento, sombra ou narrativa. E tão legal quanto evoluir aprendendo com a arte é aproveitar a experiência de várias artes. Como vc cita por exemplo as referencias que teve da literatura. O cinema, teatro, a música, o balet, a opera com suas especificidades estilísticas e narrativas tem muito a oferecer tanto para a fruição quanto para o aprendizado e desenvolvimento.

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