quarta-feira, 21 de julho de 2010

Sobre o final de Lost

Anteção: o texto abaixo contém Spoillers sobre a série Lost. Se você não assistiu à última temporada e não gosta de saber o que vai acontecer no seriado, não leia esse texto.


Finalmente assisti a última temporada de Lost. Há toda uma discussão a respeito do final trazer uma explicação religiosa e não científica que acho irrelevante. Ficção não é realidade, basta a verossimilhança. Então, tanto explicações religiosas quanto míticas são válidas.
Do ponto de vista das explicações míticas, há uma abordagem possível, que não foi explorada pela série: a de que tudo que aconteceu era um jogo entre dois irmãos. Há um precedente interessante: na mitologia hindu, a realidade muitas vezes é vista como um espetáculo para divertir Krishna.
O meu final de Lost seria exatamente assim: tudo é um jogo entre duas forças que usam os humanos como peças de um tabuleiro, algo como a história de Jó. Infelizmente essa premissa foi abandonada na última temporada na medida em que a trama se desenvolveu no sentido da busca de um substituto para Jacob.

O final que de fato foi ao ar peca por deixar inúmeras pontas soltas. Vejam bem, não é necessário explicar tudo. Muitas vezes um final em aberto pode ser ótimo. O final do livro Cemitério, de Stephen King, é aberto e é muito bom. Mas não se pode encerrar uma trama sem resolver possíveis incoerências.
Por exemplo, no final da quinta temporada, os sobreviventes tentam mudar o passado explodindo uma bomba nuclear. A personagem Juliet deixa uma mensagem mediúnica dizendo que "Funcionou", o que nos leva a crer que a realidade alternativa que vemos na história foi criada pela explosão da bomba. Depois descobrimos que aquilo não é uma realidade alternativa, mas um mundo espiritual. Esse aspecto não é esclarecido e fica apenas como uma pista falsa, um recurso narrativo para enganar o expectador, e apenas isso.
Outro problema: quando Desmond começa a despertar os outros, a esposa de Wildmore insiste para que ele pare com isso. Se o local onde eles estão é uma espécie de passo intermediário antes de chegar à luz, porque esse pedido. A mulher seria um representante do mal? Na verdade, ela é apenas uma figura narrativa a serviço do alongamento da história.

Aliás, há muitas figuras com função puramente narrativa. Wildmore é um exemplo. No final, ele parece apenas um boneco do destino e morre de forma patética. Se fosse adotada a proposta narrativa de uma realidade-jogo, isso faria sentido. Ele seria apenas um peão nas mãos de forças muito poderosas. Como se deu o final, ele é apenas um peão na mão das poderosas forças dos roteiristas.
Por exigência do roteiro e de suas reviravoltas, outros personagens agem como peões, mudando de lado, de personalidade e até de motivação. Sayid é o melhor exemplo. Na última temporada ele abandona o temperamento passional que sempre teve e se torna simplesmente um zumbi. Depois torna-se quase um mocinho. Benjamim Linus igualmente muda muito, embora no caso dele se mantenha a motivação de salvar a ilha e ser dono dela.
No final, o ponto mais fraco da última temporada é a realidade paralela, que não se sustenta, já que não funciona como purgatório, como muitos têm especulado. Segundo a religião católica, o purgatório é um local onde as pessoas pagam por seus pecados antes de ir para o céu. No seriado, para alguns ela é um local de felicidade, para outros um local para cometer novos crimes, para outros um local para se redimir.
A realidade alternativa é, assim, apenas um artifício narrativo que permitiu aos roteiristas unir todos os personagens num final emotivo. É apenas uma muleta narrativa.

3 comentários:

Camaleão Vazio disse...

Ah, sei não, Gian/Ivan. Quer dizer:

1) Quando alguém diz "funcionou", a gente logo associa esse funcionar a uma engrenagem palpável que roda lisinha, mas que ao sentido figurado é um pulinho. Mas o fato é que eles "saíram" da ilha, não saíram? Duplicados, mas saíram. Só que a alternativa de realidade criada pela bomba acabou não significando a realidade que acostumamos a reconhecer na série, em back ou em forward, que, diga-se, não poderiam ser classificadas de espirituais. Criou-se uma terceira via, uma entre tantas outras terceiras vias possíveis. E que nem aí é espiritual. Ainda. E acho que o equívoco residiria nisso, em se pensar que aquele mundo seria um mundo espiritual. E eu não pensando assim não me senti enganado.

2) E "por que esse pedido" da Eloise? Pô, ela é uma Hawking, uma Senhora Determinista (às vezes uma Senhora Destino arrependida, ou sofisticada, que se tornou algo flexível vez que, quando jovem, na ilha, etc., etc.), que se alinha com os desígnios da ilha desde a primeira vez que testemunhamos a aparição dela (que foi pro Desmond, né?) Então o pedido é super coerente com o que ela é desde o princípio porque... Porque a "luz" seria além da ilha, uma das superações da ilha, e só se chega à "luz" quando se contraria o que está determinado, pelo livre-arbítrio então. E se ela é uma figura narrativa secundária (e ela realmente é secundária), é para provocar o alongamento do limbo do Desmond, exatamente o dele. Até Desmond finalmente decidir contrariar o que ele mesmo supôs que lhe fora sempre determinado. Logo, os conselhos da própria Miss Hawking.

3) Agora, o caso-Wildmore, assim como o momento de desenlace de vários outros personagens-chaves, bem colocado isso: em vez de peões "nas mãos de forças muito poderosas", peões em mãos muito cansadas dos roteiristas. Talvez uma solução fosse assumir de vez essa condição de peãozada, fazendo cada morte no tabuleiro significar uma contribuição especial e evidente pro... xeque-mate? (Hum, ou será que não foi tentado mais ou menos assim?) Mas, enfim, é aquilo que se costuma dizer: é nisso que dá virar refém de um sucesso de frente ampla.

4) Ah, mas de novo: mas o purgatório é a ilha, e a realidade paralela é o paralelo de possibilidades do purgado na ilha. E o que a ilha faz é apenas nos propor um jogo de espelhos, de luz e sombra, de atração e repulsa, no tempo e no espaço e...

Bom, talvez um erro de interpretação recorrente seja forçar este ou aquele modelo mitológico em particular pra uma explicação suficiente. Cara, mas Lost é só um roteiro, né? Então acho muito mais proveitoso dar análise de Lost como uma criação autossuficiente do que partir para o confronto com referências externas e aí ver o que é sustentável ou não nele. Claro, tem lá uma infinidade de referências, muito mais internas que externas, e as internas são obviamente as mais problemáticas.

E é verdade, internamente teve tanto mais ponto sem nó nessa série que... Que é bom nem falar mais. A não ser pra procurar ovo em pelo. Porque se não houvesse esse artifício de união num final emotivo, seríamos nós mesmos os reféns dessa ilha por pelo menos mais 6 temporadas, até seu final "natural", não-emotivo e brilhantemente lógico. Que inferno.

RIP Lost.

Anônimo disse...

nossa! depois de ler o post e o comentário de "camaleão vazio", o que posso dizer?

já fazia um bom tempo que tinha assistido o episódio final de lost e ao contrário de uma grande maioria, gostei do que vi.

claro que fiquei chateada por não ter milhares de perguntas respondidas, mas fiquei feliz com a redenção do jack, finalmente podendo descansar em paz!

gostei do blog e dos textos!

abraços,

rachel

Gilberto Queiroz disse...

Essa série me fez aguardar ansioso cada novo episódio e no fim, apesar de não totalmente satisfeito, tive a sensação de desligamento e de que, enfim, posso pensar em outras coisas. Como bem disse o Camaleão vazio no final de seu comentário.
Abração,

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