Nos manuais de roteiro há, normalmente, uma
visão sobre a estrutura da história chamada Jornada do herói. Nela, um persogem
é retirado de sua zona de conforto e obrigado e enfrentar diversos desafios. No
final, vemos sua redenção e sua volta para o mundo normal trazendo algum
ensinamento.
Existe um gênero, no entanto, que rompe
completamente com essa estrutura: o terror. No terror, o protagonista encontra
não a redenção, mas a perdição.
Nesse sentido, o terror é herdeiro direto da
tragédia. Aristóteles já tinha descrito a tragédia como um gênero protagonizado
por um herói que tem uma falha trágica, a hamartia, que o faz enfrentar seu
destino, seus companheiros e até os deuses. No final, essa falha o leva à
destruição.
Na tragédia grega, o herói era sempre alguém com
grandes poderes, mas maculados pela arrogância, fazendo com que eles se sintam
melhores que os deuses.
No terror, a característica do protagonista
geralmente se resume à sua falha de caráter, que pode ser não a arrogância, mas
a falta de empatia, a ganância ou qualquer outro defeito que se sobrepõe às
qualidades. A jornada do herói no terror, portanto, o leva a um caminho não de
rendenção de seus defeitos, mas de perdição em decorrência desses mesmos
defeitos.
Uma pequena amostra de histórias da EC Comics
serve para demonstrar essa característica.
Em “Papel principal” três atores tentam entrar em uma peça teatral
shakespeariana. Um deles se oferece e é aceito, mas é morto pelo outro. O mesmo
ocorre até o terceiro. No final, o ator descobre que está num hospício e seu
papel é ser a cabeça que Hamlet segura.
Em “Com um pé na cova”
um coveiro explora uma viúva, fazendo um funeral com materiais de
terceira, mas vendendo-os com se fossem de luxo. Depois sofre um acidente e
fica paralisado. Seu sócio cuida de seu funeral e usa todo o seu espólio numa
farsa, um funeral pobre, que é orçado como rico.
Nos dois exemplos acima a falha que leva os protagonistas à
ruína é a ganância.
Em “No raiar do dia’ um camponês encontra linda garota em
casa. Apaixonam-se e transam. Enquanto ela dorme ele ouve que uma louca
assassina ronda a região. Temendo que esteja com a assassina dentro de casa, e
a coloca para fora e tranca a porta. Nisso aparece a verdadeira louca e mata a
garota para ficar com sua roupa.
No exemplo acima, é a covardia que leva o protagonista a ser
punido.
Se a covardia leva o protagonista à perdição, imagine o
assassinato. Na mesma edição há duas histórias em que a falha moral dos
protagonistas é serem assassinos.
Em “Dia de praia” um rapaz mata a namorada jogando-a da
montanha russa. Para se disfarçar, ele vai para a praia, esconde suas roupas e
se mistura aos banhistas. Conhece algumas meninas, que, por brincadeira, o
puxam para a água. Mas ele não sabe nadar e morre afogado.
Em “O assassino” , um assassino profissional é contratado
para apagar um cara por 500 dólares. Ele o persegue pela cidade até
encurralá-lo em um local escuro e vazio, sem testemunhas. Quando atira,
descobre que está na verdade em um teatro, diante de toda uma plateia.
Saindo dos quadrinhos e entrando na seara da literatura do
terror, um dos clássicos do gênero mais conhecidos é Carrie, a estranha. É a
história de uma menina com poderes telecinéticos dominada por uma mãe fanática
religiosa que, após ser vítima de uma brincadeira de mau gosto, praticamente
destrói uma cidade, matando centenas de pessoas.
Como nas jornadas comuns, a protagonista tem um problema a
ser resolvido, ou melhor, dois: a relação com a mãe e aprender a lidar com seus
poderes. Numa narrativa super-heroiesca, que segue a jornada do herói, ela
alcançaria a redenção ao conseguir controlar os seus poderes ao mesmo tempo em
que controla seus problemas psicológicos. Isso aconteceria ao mesmo tempo em
que ela se concilia com a mãe. Como é uma narrativa de horror, ela sucumbe ao
seu lado mais sombrio, o que a leva à perdição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário