O texto deve dar uma camada a mais de significado à HQ, indo além daquilo que o desenho mostra.
Um bom
exemplo disso é o Surfista Prateado. Ele foi colocado por Jack Kirby na
história em que o Quarteto enfrenta Galactus. Para Kirby, Galactus era tão
poderoso que deveria ter um arauto, o que não estava na sinopse entregue para
por Stan Lee. Para Kirby, o Surfista era um personagem que tinha função apenas
decorativa. Mas quando Stan Lee viu o desenho achou que ele se parecia com um
filósofo, um profeta, de alma nobre e bons propósitos, que era obrigado a
servir Galactus. Stan Lee acrescentou ao desenho de Kirby uma camada a mais de
significado que transformou um mero coadjuvante num dos personagens mais
interessantes e cults da Marvel.
O mesmo
aconteceu com a história A insólita Família Titã escrita por mim e desenhada por
Joe Bennett e publicada em diversas revistas eróticas na década de 1990 e
finalmente reunida em álbum pela Opera Graphica em 2014.
A história
surgiu de um convite do editor Franco de Rosa, que precisava urgente de uma
história em quadrinhos de 30 páginas. Nós tínhamos duas semanas para produzir
tudo: roteiro, desenho, arte-final, balonamento. Dessa forma, assim que
soubemos do pedido, começamos a discutir a trama. A pressa era tanta que nós
íamos conversando e o Bené já ia fazendo um esboço das páginas. Ao final,
peguei aquele calhamaço e fui colocando texto. Esse processo todo durou menos
de uma manhã, pois início da tarde já era necessário dar início à produção do
desenho.
A pressa fez
com que nós não tivéssemos tempo de discutir sobre a história. O resultado
disso foi que eu jurava que o personagem Tribuno era o herói da história.
Afinal, ele era o único dos três heróis que queria usar seus poderes para o bem
da humanidade. Já para o Bené, ele era o vilão, pois só um vilão entraria numa
jornada de vingança como fez o Tribuno.
Ou seja: o
herói estava ali, cometendo as maiores atrocidades, mas eu estava lhe dando
motivações, comprando o leitor com meu texto.
A história
acabou ficando com uma dualidade ímpar: para alguns leitores, o Tribuno era um
tremendo vilão, para outros, era um herói. A mistura de desenho e texto
permitiu essa dupla leitura.
O texto e os
diálogos, portanto, devem ir muito além da simples narrativa. Devem dar
humanidade aos personagens, devem mostrar suas motivações e, principalmente,
devem fazer o leitor se sentir dentro da HQ. Os quadrinhos são bidimensionais,
mas o leitor deve se sentir dentro de uma história com todas as dimensões
possíveis. Deve sentir os cheiros, deve ouvir os sons. Uma boa história é como
uma realidade virtual, que transporta os leitores para um mundo em que tudo é
possível.
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