segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O paradigma dos três atos nos quadrinhos

Desde o momento em que o homem começou a narrar as primeiras histórias, percebeu-se que havia uma certa divisão que tornava a narrativa mais fluida e interessante. Eram os atos, que, bem utilizados, prendiam a atenção do receptor .
A teoria dos três atos, propostas pelo roteirista e estudioso norte-americano Syd Field é a mais usada. Segundo, ela, um roteiro deve ser dividido em três partes. A primeira parte ocuparia um quarto do texto. A segunda parte, teria metade do roteiro. A terceira, um quarto.
No primeiro ato, são apresentados os personagens e o ambiente em que se passa a história. Essa parte tem a importante função de situar o receptor e fazê-lo simpatizar com o protagonista. É nessa fase que acontece a transferência e o leitor passa a se ver como o herói da história. No final o primeiro ato, ocorre um gancho, que puxa a história. O conflito se estabelece.
O segundo ato engloba a ação e a tentativa do protagonista em resolver o conflito.
Finalmente, no terceiro ato, temos a resolução do conflito.
Na história A Piada Mortal, de Alan Moore e Brin Bolland, os três atos são bem claros. No primeiro ato, acompanhamos Batman, que entra no presídio e conversa com o Coringa. Ele descobre que se trata de um impostor e que o verdadeiro Coringa fugiu. Enquanto isso, vemos o Coringa comprando um velho e perigoso parque de diversões. Os personagens são apresentados, assim como a ambientação da história. Sabemos que a trama irá girar em torno de Batman e Coringa e sabemos que a tentativa do Homem Morcego de entender a relação entre os dois será o tema da história. Ao mesmo tempo, vemos os flash backs do Coringa, mostrando sua tentativa de se tornar um comediante e a morte de sua esposa grávida. Toda essa introdução é usada para criar um clima de interesse no leitor e trazer à baila o tema principal da história: a dualidade, nem sempre nítida, entre loucura (Coringa) e sanidade (Batman).
Então, vemos o Comissário Gordon em sua casa, conversando com sua filha. Ela abre a porta. É o coringa e ele atira em sua coluna. Nesse momento temos o gancho que puxará toda a história. O Coringa seqüestra o Comissário e o submete a um grande stress, obrigando-o a ver a foto de sua filha nua e baleada. Temos duas narrativas paralelas: a busca de Batman em encontrar o Coringa e a tentativa deste de provar que todos são loucos.
O segundo ato termina quando Batman chega ao parque de diversões. A partir desse momento, a história se desenvolve no sentido de sua resolução. Ao contrário do que acreditam os pouco avisados, a Piada Mortal não trata de um conflito físico, mas um conflito mental. A tentativa de resolução é no sentido dos dois personagens compreenderam sua relação. Alan Moore, que adora roteiros em espiral, marca esse gancho com uma frase: “Olá, eu vim conversar.”, a mesma frase que inicia a história. É uma dica de que o conflito se aproxima de sua resolução.
Em outra história do Batman, Cavaleiro das Trevas, temos essa estrutura de três atos a cada capítulo. No primeiro ato, descobrimos que Gothan se tornou uma cidade extremamente violenta e que Batman se aposentou. Agora, Bruce Wayne passa o tempo arriscando a vida em corridas de automóvel. Também descobrimos que o Duas Caras, aparentemente curado, é solto. Sabemos também que Bruce Wayne tem pesadelos com o dia em que caiu num buraco e se viu frente a frente com uma nuvem de morcegos. No mesmo ato, descobrimos que o Duas Caras voltou ao crime. O primeiro ato tem o seu gancho na lembrança da morte dos pais de Bruce Wayne e no morcego que entra pela janela.
A página seguinte, em que uma senhora é atacada por um ladrão, já faz parte do segundo ato. Batman começa ali sua saga para lidar com seus medos, seus demônios interiores. Enfrentar e vencer Harvey Dent é um passo simbólico nesse sentido.
O momento em que o Duas Caras ataca as torres gêmeas marca o início do terceiro ato.
O primeiro ato pode se tornar pouco interessante para o leitor, já que ele é usado para ambientar a história e apresentar os personagens. Há pouca ação. Para tornar a narrativa um pouco mais agitada, alguns autores adotam uma espécie de prelúdio para fisgar a atenção do leitor.
Exemplo disso é Starman, de James Robinson. Na primeira revista vemos Starman sobre um prédio, preparando-se para alçar vôo. O texto exalta o poder do herói e de seu bastão cósmico. Quando, na página 3, o herói começa a voar, um tiro transpassa seu peito. Na página 4, ele está morto no chão de um beco sujo. Esse fato é o gancho que puxa o segundo ato. Na ordem cronológica, ele deveria ser mostrado no final do primeiro ato, já que é a morte do irmão que fará Jack Knight assumir o bastão cósmico, mas isso é antecipado. Só depois desse prelúdio é que conhecemos o personagem principal e o mundo em que ele vive. Essa atencipação do gancho cria interesse no leitor, que continuará lendo para saber como a trama chegou até ali.

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