Os diálogos ajudam a caracterizar os personagens. |
Antes de escrever seja um texto sobre ou uma
fala de um personagem, é importante entender quem é ele. O diálogo do
personagem é reflexo de sua personalidade, de sua história de vida, do ambiente
em que foi criado. Dois exemplos extremos: o Hulk e o Thor têm falas
completamente diferentes. A maneira como cada um se expressa nos diz muito
sobre eles.
Antes de escrever para o personagem, é
importante pensar quem é ele, quais são suas motivações, qual a sua história de
vida,
quantos anos ele tem, qual a sua profissão, se ele tem algum medo, se tem
uma história de vida que poderia ser
lembrada nesse momento, se ele tem família, o que ele está sentindo ou pensando.
Quanto mais detalhes tiver sobre o
personagem, melhor conseguirá caracterizá-lo através da fala ou do texto. Mesmo
para personagens secundários o ideal é ter uma noção de sua personalidade e sua
história de vida. Algo inclusive que se pode fazer é colocar ganchos sobre esse
histórico nos diálogos.
A série Exploradores do Desconhecido, com
roteiro meu e arte de Jean Okada mostra exploradores espaciais, cada um com um
poder ou habilidade especial, que acabam indo parar em outra realidade através
de um salto quântico. Os personagens não são apresentados como detentores
dessas habilidades. Elas são indicadas aos leitores através de pequenos ganchos
nos diálogos, pequenos detalhes que irão contribuir para que o leitor,
posteriormente aceite os poderes. Ou seja: os diálogos também pode ser
elementos importantes no pacto de verossimilhança que se estabelece com o
leitor.
Exploradores do
Desconhecido: Os diálogos dão pistas sobre as características dos personagens.
Sobre o diálogo como característica da
personalidade do personagem, observe esse diálogo do Rei na série a queda de Matt
Murdock:
Faça o iate voltar a nova York.
Localize todos que tocaram neste envelope... Ou que falaram com quem tocou... e
aguarde a ordem para matar.
O texto é todo no imperativo, representando
alguém que está acostumado a dar ordens e que não admite contestação. A fala
também revela alguém objetivo, prático.
Os diálogos demonstram a nobreza do Surfista Prateado.
Em contraste, observe esse diálogo do
Surfista Prateado, na graphic novel Parábola, com roteiro de Stan Lee e arte de
Moebius:
Se desistirmos da luta só porque
as chances de vitória são pequenas, onde fica o nosso valor? Que nossa
motivação seja sempre o que nos leva em frente, e não as chances de sucesso.
Essa fala nos revela um personagem
filosófico, poético, mais preocupado com ideais do que com a praticidade da
vida.
Veja agora a fala do Monstro do Pântano na
fase escrita por Alan Moore:
Não, Arcane. Esta é a nossa
primeira batalha... você e eu... nunca nos encontramos... e também nossa
última. Você reclama... o planeta para si... Arcane. Mas sem ter... um décimo
do poder da terra.
A primeira coisa que chama atenção são as
reticências. Elas dão a ideia de alguém que fala de maneira arrastada, como de fato falaria uma planta tentando se
comunicar como humano. Apesar disso, o diálogo demonstra grande auto-confiança.
Vale lembrar que nessa fase do personagem ele está descobrindo poderes que não
sabia ter, como a capacidade de regenerar o próprio corpo e esse empoderamento
do personagem se reflete em sua fala.
Monstro do Pântano: uma planta tentando falar como um humano.
Aliás, uma forma ideal de escrever diálogos
de um personagem é se imaginar sendo ele. Alan Moore conta que andava pela casa
como um corcunda quando estava escrevendo as falas de Etrigan no Monstro do
Pântano. O resultado foi isso:
A graciosa dama e seu monstro
coberto de raízes chegaram para salvar os inocentes de tal crime e do medonho
banquete macacal poupar os petizes. Que alma nobre a deles! Que arrojo sublime!
E mirem as crianças, com tanto alarido, acordam seus guardiões, raça tão
dedicada! Embora ele traia a esposa, e ela o marido, ambos só querem tirar a criança
da enrascada.
O diálogo é escrito de forma a mostrar que se
trata de alguém diverso dos seres humanos comuns (Etrigan faz parte do grupo de
demônio rimadores) e extremamente cínico.
Os vilões, aliás, funcionam melhor quando são
bem caracterizados. Ao criar o principal vilão do Capitão Gralha, o Doutor
Destruição, imaginei-o como alguém muito letrado, mas enlouquecido. Mas o
Doutor não o tipo vilão maluco, desvairado. Ao contrário, é alguém que a todo
momento procura mostrar seu refinamento (ele é filho de uma família
aristocrática). Devido a um trauma de infância, ele é fascinado pela letra D.
Tudo isso se reflete nas falas do personagem:
Débil demagogo, seus desejos defenestraram! Destruirei Curitiba e depois o mundo. E você
descansará desolado a dez palmos sem poder desbaratar meus planos
descontrolados!