segunda-feira, 26 de agosto de 2019
segunda-feira, 19 de agosto de 2019
As motivações dos personagens
Todo personagem tem uma motivação, algo que o leva em frente e o faz enfrentar os desafios oferecidos pelo conflito.
Muitas vezes essa motivação pode ser representada por um ou mais objetos. Na primeira saga de Sandman, a motivação do personagem era recuperar os objetos de poder que lhe haviam sido roubados: a algibeira de areia, o elmo e o rubi.
Normalmente, os objetos materiais são apenas representações de motivações psicológicas, tanto que Sadman, após conseguir os objetos de volta, entra em depressão, pois a busca dos objetos era o que lhe dava forças para enfrentar racionalmente o fato de ter ficado tantos anos preso.
Em A Piada Mortal, a motivação do Coringa é provar que todos podem ficar loucos se tiverem um dia ruim. A motivação do Batman é exatamente o oposto. Claro que, nesse roteiro muito bem construído, as respostas não são tão simples e, no final, parece que nenhum dos dois consegue alcançar totalmente a sua motivação.
Durante boa parte da fase de Alan Moore no Monstro do Pântano, a motivação do personagem é saber mais sobre si mesmo, conhecer-se, o que leva o personagem a seguir John Constantine.
No livro Homens do Amanhã, Gerard Jones faz uma interessante análise das motivações do Capitão América, relacionando-as com as motivações de seus criadores: "Ele é o garoto subnutrido do gueto que adquire uma força desmedida ao agarrar as oportunidades americanas". Sua luta contra o nazismo é também a luta de seus criadores em busca de confiança em um mundo que perseguia os judeus. Assim, quando o Capitão América soca Hitler em uma das primeiras histórias, jogando-o no lixo, ele representa as motivações de todas as pessoas que se sentem oprimidas e gostariam de serem capazes de dar a volta por cima, vingando-se de seus opressores.
No filme UP, a motivação do velhinho ao voar com sua casa é voltar aos tempos de infância. A motivação do escoteiro, que quer ganhar mais um distintivo é, na verdade, conseguir a atenção do pai. O distintivo é apenas o objeto que representa a motivação do personagem.
Batman, o cavaleiro das Trevas, apresentou uma motivação global para o personagem ao mostrá-lo como alguém que luta contra seus próprios medos, tanto que adota a imagem dos morcegos que tanto lhe causaram pavor na infância. Essa motivação aparece, inclusive, na Piada Mortal.
Há histórias, criadas por roteiristas iniciantes, em que os personagens parecem não ter motivação. São só bonecos de palha, joguetes, que passam pela história, lutam, mas não se sabe porque estão fazendo isso. A falta de motivação os faz ocos por dentro.
Muitas vezes essa motivação pode ser representada por um ou mais objetos. Na primeira saga de Sandman, a motivação do personagem era recuperar os objetos de poder que lhe haviam sido roubados: a algibeira de areia, o elmo e o rubi.
Normalmente, os objetos materiais são apenas representações de motivações psicológicas, tanto que Sadman, após conseguir os objetos de volta, entra em depressão, pois a busca dos objetos era o que lhe dava forças para enfrentar racionalmente o fato de ter ficado tantos anos preso.
Em A Piada Mortal, a motivação do Coringa é provar que todos podem ficar loucos se tiverem um dia ruim. A motivação do Batman é exatamente o oposto. Claro que, nesse roteiro muito bem construído, as respostas não são tão simples e, no final, parece que nenhum dos dois consegue alcançar totalmente a sua motivação.
Durante boa parte da fase de Alan Moore no Monstro do Pântano, a motivação do personagem é saber mais sobre si mesmo, conhecer-se, o que leva o personagem a seguir John Constantine.
No livro Homens do Amanhã, Gerard Jones faz uma interessante análise das motivações do Capitão América, relacionando-as com as motivações de seus criadores: "Ele é o garoto subnutrido do gueto que adquire uma força desmedida ao agarrar as oportunidades americanas". Sua luta contra o nazismo é também a luta de seus criadores em busca de confiança em um mundo que perseguia os judeus. Assim, quando o Capitão América soca Hitler em uma das primeiras histórias, jogando-o no lixo, ele representa as motivações de todas as pessoas que se sentem oprimidas e gostariam de serem capazes de dar a volta por cima, vingando-se de seus opressores.
No filme UP, a motivação do velhinho ao voar com sua casa é voltar aos tempos de infância. A motivação do escoteiro, que quer ganhar mais um distintivo é, na verdade, conseguir a atenção do pai. O distintivo é apenas o objeto que representa a motivação do personagem.
Batman, o cavaleiro das Trevas, apresentou uma motivação global para o personagem ao mostrá-lo como alguém que luta contra seus próprios medos, tanto que adota a imagem dos morcegos que tanto lhe causaram pavor na infância. Essa motivação aparece, inclusive, na Piada Mortal.
Há histórias, criadas por roteiristas iniciantes, em que os personagens parecem não ter motivação. São só bonecos de palha, joguetes, que passam pela história, lutam, mas não se sabe porque estão fazendo isso. A falta de motivação os faz ocos por dentro.
sábado, 10 de agosto de 2019
O texto nos quadrinhos
A forma diz respeito à abordagem textual escolhida pelo roteirista |
Chegamos à parte mais complexa do mister de quadrinhos: a forma. Nove em cada dez pessoas não tem a menor noção do que seja a forma num texto. Se perguntarmos a alguém o que achou da história, essa pessoa provavelmente se restringirá a fazer comentários sobre o enredo: "E aí tinha um monte de terroristas e o Batman chegou e deu porrada neles...". Provavelmente, se perguntarmos para essa mesma pessoa o que achou dos diálogos, ela fará cara de boba: "Como assim, tinha diálogos?".
A questão da forma está intimamente relacionada com o estilo, embora o estilo de um autor possa envolver diversas formas (por exemplo, a forma de Watchmen é bem diferente da forma de V de Vingança, embora ambas sejam obras do mesmo autor, Alan Moore).
Partindo do princípio de que esse é um assunto difícil para o leigo, limitarei meus comentários apenas a dois aspectos: o texto e os diálogos.
O TEXTO, ou legenda, é um recurso comumente utilizado pela maioria dos bons autores. Ele geralmente aparece nas histórias em balões quadrados, chamados de recordatários. Pessoalmente, não gosto desse nome, pois ele lembra uma época em que a única função do texto era explicar a sequência, ou mesmo o quadrinho para o leitor. Usava-se o recordatário para dizer coisas como "Enquanto isso", "Em outro lugar". "Algum tempo depois", "Flash dá um soco em Ming".
Depois descobriu-se que o leitor não precisava que se lhe explicasse a cena (e devemos isso em grande parte ao trabalho de Will Eisner no Spirit). Se o desenho já está explicando a ação para o leitor, porque não utilizar o texto para aprofundar a psicologia do personagem, ou narrar eventos que o desenho não possa mostrar?
Esse é em geral o segundo maior defeito dos roteiristas iniciantes: limitar o texto a contar coisas que o desenho pode mostrar sozinho. (O primeiro maior defeito é querer explicar tudo na história segundo a lógica do mundo real. As histórias têm a sua lógica própria, definida pelo roterista quando ele imagina os personagens e o universo no qual eles vão se deslocar).
Dito isso, podemos analisar algumas técnicas de texto.
O texto pode ser usado, por exemplo, para que o roteirista conte a história. É o que Miller faz em A Queda de Matt Murdock. Após observar a luta entre entre Matt e o Rei do Crime (na qual não há texto, pois ele seria desnecessário), vemos ângulos cada vez mais fechados de um carro no fundo de um rio, enquanto o texto diz: "O Rei é um homem cuidadoso. A morte de Murdock não deve ser nem misteriosa e nem suspeita. Não há motivo algum para investigação. Inconsciente, mas vivo, Murdock é colocado num taxi roubado. O taxi é jogado no cais 41, no rio leste. Seu cinto de segurança e a porta são emperrados por um processo indêntico à ferrugem. Murdock é encharcado de bebida".
O texto, portanto, está em terceira pessoa e no presente, mas não está explicando o desenho, ele está contando coisas que o desenhista não poderia mostrar em tão pouco espaço.
Texto em primeira pessoa em Cavaleiro das Trevas |
O mesmo Miller usa um tipo diferente de texto em Cavaleiro das Trevas. Em um sequência, vemos Batman escalando uma gárgula e lemos o seguinte: "A dor que já dura três dias arranha minhas costas. Eu espano o pó das articulações e subo. Isso já foi mais fácil".
O texto, aqui, reflete os pensamentos do personagem. Por isso, ele está no presente e em primeira pessoa. As frases são curtas para dar movimento à cena. Uma vez que as HQs, ao contrário do cinema, não têm movimento, é necessário inventar alguns truques para enganar o leitor e fazê-lo acreditar que está vendo movimento. Um deles é escrever frases curtas e distribuí-las verticalmente pelo quadro. Miller é um mestre nesse tipo de engodo.
Apresentei dois exemplos de Frank Miller para demonstrar como, dentro de um mesmo estilo, pode haver vários formatos de legenda. Antes de seguirmos em frente, no entanto, faz-se necessário definir alguns tipos básicos de textos.
Exemplo de narrador em terceira pessoa |
PRIMEIRO TIPO – Narrador em terceira pessoa: É quando o autor, o roteirista, tem a palavra. O texto ficará em terceira pessoa e o narrador, portanto, não faz parte da história. A história Castelos de Areia, de Gerry Boudreau e publicada na extinta revista Kripta, é um exemplo disso. Enquanto vemos uma mulher correndo, o texto diz: “Estava frio e escuro no túnel, como no útero de uma mãe morta. Ela sentiu o ar penetrar por sua pele e cobrir suas artérias como uma fina camada de gelo”.
Texto em primeira pessoa |
SEGUNDO TIPO – Narrador-personagem - é quando um dos personagens narra a história. Um exemplo disso é a história de piratas que o garoto está lendo em Watchmen: "Acordando do pesadelo, me encontrei numa lúgubre praia entulhada de cadáveres. Ridley jazia próximo de mim. Os pássaros devoravam seus pensamentos e memórias". Esse tipo de texto também pode ser uma continuação do diálogo, quando a imagem mostra algo do passado. Nesse caso, o texto deve vir entre aspas.
Gerry Conway usava muito o recurso do texto diálogo em sua fase no Homem-araha |
TERCEIRO TIPO - Texto diálogo - recurso muito pouco usado, mas bastante criativo. É quando o narrador parece estar conversando com o personagem. Gerry Conway, quando escrevia o Homem Aranha, no início da década de 70, costumava usar muito essa técnica. Numa sequência que mostra o aracnídeo balançando-se sobre a cidade, o texto diz: "As pessoas terminam fazendo o que é preciso... mesmo que se odeiem por isso. E você se odeia por isso, não é Peter? Sim, com certeza". Outro exemplo é a história Shamballa, de J.M.De Mattei, com o personagem Dr. Estranho: “Mestre das Artes Místicas. Desde que assumiu esse majestoso título, parece ter eliminado a malícia e a mesquinhez de seu coração. Pena que ainda não aprendeu a sorrir. Você caminha, uma criança brincando com as sombras da memória: a imagem do desgraçado que foi se reflete na neve ofuscante”.
A partir desses três tipos básicos é possível produzir uma enorme variedade de textos.
Ainda sobre a legenda é importante considerar algumas questões. A primeira delas é a uniformidade. Se a história começou sendo narrada por um personagem, refletindo seus pensamentos, por exemplo, ela deve ser narrada pelo personagem até o fim, sob pena de dar a impressão para o leitor de que o personagem deixou de pensar. Por outro lado, se começamos no presente, é bom continuar no presente.
sábado, 3 de agosto de 2019
Roteiro para quadrinhos: gêneros
Constantemente um roteirista precisa escrever histórias que se encaixem dentro de um determinado gênero, seja policial, terror, infantil, humor, super-heróis, ficção-científica ou qualquer outro que exista ou venha a existir.
A primeira coisa a fazer é ler o máximo possível de histórias dentro daquele gênero, para perceber a linguagem e as convenções do mesmo.
Sim, existem formas estabelecidas de fazer histórias dentro de determinados gêneros. Nos super-heróis, por exemplo, é padrão começar a história com uma splash page ambientando o leitor e, ao mesmo tempo, criando uma situação de suspense e impacto.
Mas, mais importante do que perceber as convenções, é compreender a essência daquele gênero, o que muitas vezes permitirá que você faça um trabalho inovador.
Vou dar um exemplo. O gênero terror tem sua origem no revolucionário trabalho de Edgar Alan Poe. Poe achava que se deveria escrever a história de trás para a frente. Ou seja, primeiro se criava um final fantástico, surpreendente, e depois se criava uma trama que desembocava nesse final apavorante.
Qualquer um que já tenha lido um conto de Edgar Alan Poe sabe que essa técnica provoca mesmo um efeito terrível no leitor. É como se o final surpresa tirasse o chão debaixo dos nossos pés, como se suas certezas fossem abaladas.
A editora americana EC Comics levou esse conceito ao extremo na década de 1950. Nada era o que parecia nas histórias da EC. Até mesmo os padrões dos quadrinhos eram desrespeitados para dar ao leitor um final surpresa. Assim, um homem educado, de óculos, lendo jornal, podia ser um louco. Um bom policial podia ser, na verdade, um assassino, e assim por diante.
A revista nacional Calafrio, publicada no Brasil na década de 1990, transformou essas convenções em regra fixa. Assim, existiam dois tipos de histórias na Calafrio: 1) a vítima que volta do túmulo para se vingar; 2) o personagem bonzinho que vira monstro (ou vampiro, ou demônio, ou lobisomem) no final.
O resultado disso é que, o que deveria surpreender, virou tédio. O leitor sempre sabia que a vítima sempre voltava da morte para se vingar e que os personagens bons sempre viravam monstros no final.
Melhor do que seguir um padrão rígido, portanto, é procurar entender os objetivos do gênero. No terror, por exemplo, o objetivo é deixar o leitor com medo. Existe um livro chamado O Cemitério, de Stephen King. O próprio King achou-o tão apavorante que relutou anos antes de deixar que o publicassem. A contra-capa dizia que era uma obra que tinha deixado com medo o próprio mestre do horror. O que tem em O cemitério? O que poderia ser tão apavorante a ponto de fazer com que King não quisesse publicar? Simples, o filho do personagem principal morre. Isso pode parecer bobagem para uma pessoa solteira, mas é o horror dos horrores para quem é casado e tem filhos pequenos (como era o caso de King, na época). Ou seja, ele colocou o seu medo mais íntimo no livro – e isso o assustou – e continua assustando milhares de pessoas até hoje.
Dessa forma, ao fazer pela primeira vez uma história infantil, leia várias histórias infantis (de preferência de autores diferentes) e procure identificar como eles fazem, mas, acima de tudo, procure lembrar do que você gostava de ler quando era criança. Se for possível, converse com uma criança, afinal ela será o seu público-alvo.
Maurício de Souza, embora tenha lido muitos quadrinhos infantis (a influência de Charlie Brown é óbvia), criou seus personagens baseando-se nas lembranças dos amigos da infância e nas suas filhas.
Ao fazer uma história de ficção-científica, lembre-se de que esse é um gênero que tem como objetivo levar o leitor até onde nenhum homem jamais esteve (como já dizia a abertura de Jornada nas Estrelas). Ou seja, é um gênero que vai ultrapassar os limites de nossa imaginação.
Ao fazer uma história de humor, leia várias revistas de humor, de autores diferentes, mas só se sinta seguro sobre seu roteiro quando estiver achando graça do que está escrevendo. Há algum tempo editei uma revista voltada para o público universitário chamada O Pavio. Ela tinha o diferencial de ser uma revista que trabalhava muito com humor. Até mesmo as matérias jornalísticas precisavam ter toques de humorísticos. Como nem sempre os jornalistas conseguiam isso, tínhamos que trabalhar o lado engraçado de títulos, charges e dos quadrinhos. Enquanto fechava a revista, eu, de vez em quando, me pegava rindo sozinho, achando graça do que tinha escrito. Não por acaso, aquilo que eu achava mais engraçado era também o que mais agradava o leitor.
Ainda referenciando essa revista, a edição que fez mais sucesso foi uma em que fizemos um especial sobre buracos. Macapá é provavelmente a capital com mais buracos do país. No brainstorn de criação, nós nos lembramos de todas as situações ruins pelas quais já havíamos passado por causa dos buracos e até das piadas que já tinham nos contado. O resultado disso foi que a revista captou a revolta popular. Uma das piadas criadas nesse número (de que o asfalto usado na cidade era sonrisal, dissolvia na água) é contada até hoje pelos amapaenses. Nós havíamos captado um aspecto importante do gênero: o princípio de que o humor é uma forma de expressar revolta.
Sobre o gênero super-heróis, a primeira coisa a se saber é que o universo dos gibis de super-heróis tem suas regras próprias. A primeira delas é a splash page. "O que diabos é isso?", pergunta-se o leitor, folheando aflito o dicionário de inglês.
A splash page é uma página com um único quadrinho que vem, em geral, no início das histórias. Nela devemos ver, de preferência, uma cena de impacto visual e uma situação de suspense que encoraje o leitor a folhear o resto do gibi na banca e, quem sabe, comprar...
No caso das revistas seriadas, a splash page pode recapitular o gancho da última história. Tipo: "O Homem Aranha está caído, inconsciente e algumas pessoas se aproximam furiosas, dispostas a tirar sua máscara. Conseguirá nosso herói resguardar sua identidade secreta? Descubra isso nesta fantástica história chamada.. A MÁSCARA OU A VIDA!!!!"
É, Stan Lee adorava essas coisas. Como o leitor esperto já deve ter adivinhado, a splash page é o lugar da história onde aparece o título e os créditos (nome do roteirista, do desenhista, etc).
A splash page tem dois objetivos: 1- chamar a atencão do leitor para a história; 2 ambientá-lo no contexto da narrativa.
Há outra maneira de trabalhar com a splash page. Reserva-se a primeira página para uma sequência qualquer que desemboque numa grande cena de impacto, que ocupe as páginas 2 e 3. É o que chamamos de página dupla.
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