sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A verossimilhança e a caracterização visual


Eu já expliquei aqui que história em quadrinhos de ficção não é documentário. Ou seja: uma HQ não precisa ser realista, ela apenas precisa convencer o leitor de sua realidade. Isso passa muito pela caracterização visual dos personagens. Por exemplo, os cientistas não costumam ser carecas, os malvados não costumam ser feios. Mas um bom desenhista recorre a essa generalização para que o leitor identifique, logo de cara, a função ou a personalidade dos personagens.



Basta olhar para Ming e Flash Gordon e perceber quem é o vilão e quem é o herói.
Marcos Rey, um dos grandes roteiristas brasileiros de cinema e TV lembra a figura de Sherlock Holmes, cuja caracterização, com cachimbo, lente de aumento e sobretudo xadrez, o identifica imediatamente.


Claro que hoje as HQs hoje não trabalham tanto com clichês, mas mesmo assim, desenhistas e roteiristas utilizam objetos, roupas e até expressões ou gestos para caracterizar os personagens, já que os quadrinhos são uma mídia visual.
Nos primeiros capítulos da webcomics Exploradores do Desconhecido tínhamos um personagem que aparecia em poucos quadrinhos. Ele era um político avesso à tecnologia, que é contrário à Operação Salto Quântico e que acaba sendo convencido pelo Capitão a apoiar o projeto. No meu roteiro, coloquei que ele era alguém antiquado, temeroso de avanços tecnológicos. Na hora de ilustrar a sequência, o desenhsita Jean Okada decidiu colocá-lo de óculos. Toda a caracterização psicológica do personagem ficou explícita sem que precisassemos usar uma palavra. Bastava bater o olho e o leitor percebia que aquele político era contrário às inovações (até porque seu óculos era do tipo antigo).

Quando divulgava a série no Orkut, ainda no ano de 2008, encontrei um suposto crítico de quadrinhos que implicou com o político de óculos e com o fato dos Exploradores não usarem toquinha. De fato, nas missões na NASA os astronautas usam uma toquinha e, por conta disso, esse suposto crítico achava que também os Exploradores deveriam usar toquinha.

- Mas em Jornada nas Estrelas eles não usam toquinha. - argumentei.
- Jornada nas estrelas é uma m*... ! - respondeu ele. Em história de ficção científica, todo mundo tem que usar toquinha!
- Mas em Guerra nas Estrelas eles não usam toquinha. - retruquei.
- Jornada nas estrelas é uma m*... ! - respondeu ele. Em história de ficção científica, todo mundo tem que usar toquinha!
- Mas no filme Contato, baseado na obra do cientista Carl Sagan, eles não usam toquinha. - expliquei.
- Contato é uma m*... ! - respondeu ele. Em história de ficção científica, todo mundo tem que usar toquinha!
- Mas em Esquadrão Atari eles não usam toquinha. - lembrei.
- Esquadrão Atari é uma m*... ! - respondeu ele. Em história de ficção científica, todo mundo tem que usar toquinha!

Como o palavrão é o argumento dos que estão errados, ele saiu batendo o pezinho e prometendo que ia mostrar como se fazia:
- Vou escrever um livro em que os astronautas usam touquinha e que os políticos não usam óculos. Vai ser um sucesso porque todo mundo quer ler histórias com astronautas de toquinha!

Pois é... dizem até que ele escreveu tal livro com o astronauta de toquinha... quanto ao sucesso...
A grande lição é: história em quadrinho não é documentário. Embora os astronautas da NASA usem toquinhas durante as missões, a maioria das pessoas pensa neles sem a tal toquinha pela simples razão de que, normalmente, quando aparecem em público, estão sem toquinha.
Assim, para o leitor normal, um astronauta de toquinha é menos verossímil que um astronauta sem toquinha. E nos quadrinhos a verossilhança é mais importante do que o realismo.

10 comentários:

Gilberto Queiroz disse...

Fala, Gian! Esse lance dos estereótipos não têm como fugir muito nas Hqs. Um nerd nos quadrinhos será sempre um nerd facilmente identificável, assim como vilões e heróis. Esse texto veio bem a calhar.
Abração,

Quadrinize disse...

Muito embora, como você bem lembrou, hoje em dia não se usa tantos clichês e estereótipos. Inversão de valores é interessante para surpreender o leior. Os japoneses costumam fazer isso bem, mostrando vilões belos e cativantes, heróis franzinos e tímidos e, às vezes, até feios.

Claro que os dois caminhos são interessantes e funcionais. Tudo depende de como você quer retratar o personagem e como ele será na mente do leitor. Mas em todos os casos, é fundamental entender esses princípios.

Nemo disse...

Hahaha, sensacional a história da toquinha.

João disse...

"Basta olhar para Ming e Flash Gordon e perceber quem é o vilão e quem é o herói."

Claro... Um parece um nórdico e o outro é um chinês sinistro do espaço.

Urbano disse...

O tal sujeito ousou falar mal de Star Wars, Star Trek e Contato? CONTATO???

Estou ajustando os feisers pra desintegração...

Gian Danton/Ivan Carlo disse...

Pois é, Urbano, ele não gostou do Contato porque a Judie Foster não usava toquinha...

jjmarreiro disse...

Falando no pel de desenhista: A famigerada touquinha pode em muitos casos comprometer o visual de um personagem ou de uma série inteira pois evoca o ridículo.

A Touquinha quebra o padrão de percepção do personagem, principalmente se ele já estiver estabelecido visualmente sem a touca.

Um outro fator é o fisionômico, embora o desenhista possua habilidade de diferenciar bem os rostos, a touca padroniza os personagens ao ponto de gerar confusão. Em enquadramentos de planos conjuntos ou tomadas mais amplas os personagens perdem totalmente a identidade se estiverem de touca.

Queria só registrar mais um questionamento...as pessoas realmente associam Clichê a algo ruim, não é? Acho muito estranho isso...porque a vida é estabelecida em cima de clichês, padrões que se repetem para firmar a compreensão do homem e deixar o entorno mais familiar...O clichê não é o MAU em si:) Acho que as vezes é mal utilizado:) Veja só...A Família é um clichê: Pai Mãe, filhos...E precisa ser vista como clichê para que exista a quebra de paradigma com os casais homossexuais por exemplo. Os gays tem o direito de ser vistos pelas pessoas como família...mas a família tradicional deve ser ortracisada por ser um clichê?
...hehehe
O amor em si é um grande clichê, quaisquer que sejam as opções sexuais envolvidas:) ...mas fala sério...não é um clichê bonitinho?

Força Sempre! E Amai-vos uns aos outros e não uns sobre os outros:)

Sérgio disse...

Parece a questão do Thor sem Elmo ou Capitão América sem asinhas...insistir num aspecto físico, que a meu ver, não interfere na qualidade da história em nada.

Que bobagem. Texto muito bom, Gian!

Diego disse...

A toquinha em questão que os astronautas utiliam tem uma referencia direta as HQs : é Chamada de "Snoopy Cap" em homenagem ao Charlie Brown

Lorde Lobo disse...

Haaaaaaaahahahahahaha!
Sei quem era o tal "crítico"! Uma argumentação tão idiota como aquelas, só poderia ter vindo dele, um babaca que deve dormir de touquinha!
Hahahahahahahahahaha!

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