domingo, 16 de outubro de 2011

Entrevista com Anita Costa Prado


Anita Costa Prado é uma roteirista brasileira premiada. Ficou famosa no meio com uma personagem lésbica chamada Katita. Num mundo dominado por homens e heróis anabolizados trocando sopapos, ela mostra que as histórias em quadrinhos podem ser poéticos e que não há  limites para os assuntos tratados na nona arte. Conheça, na entrevista abaixo, um pouco dessa talentosa roteirista. 
1 - Como você começou a ler quadrinhos? O que você lia? 
Comecei a ler quadrinhos na infância. Lia gibis do Tio Patinhas, Chico Bento, Professor Pardal, o adorável Zé Carioca, etc. Na adolescência passei a ler também tiras de jornais.

2 - Quais são os roteiristas que te influenciaram? 
Não foram exatamente influências mas admirava vários roteiristas e desenhistas como Eugênio Colonnese e roteiristas de histórias infantis. O roteiro que mais me impactou foi de Art Spielgeman (MAUS), por ser real, aliado a grande idéia de desenhar os personagens como animais, de acordo com os grupos étnicos.
Sempre me encantei pelos roteiros curtíssimos das tiras de Jim Davis e o Gato Garfield, além das ótimas tiras nacionais.

3 - Como surgiu a Katita? Qual era a sua intenção com a criação da personagem? 
Por gostar de tiras e conhecer os personagens que saiam regularmente nos jornais, senti que uma personagem lésbica seria interessante, pela inexistência de tal enfoque. A intenção era mostrar o cotidiano de uma jovem lésbica, com bom humor e ironia, como forma de suavizar a abordagem de um tema polêmico e repleto de conceitos equivocados.

4 - Você já foi premiada duas vezes com o Angelo Agostini. Isso mostra que o seu trabalho está chamando atenção do meio. Isso demonstra também um maior respeito com relação à temática gay? Na verdade foram três premiações. Em 2006, como roteirista e melhor lançamento (Tiras Sem Preconceito), vinculados a Katita. No ano seguinte, recebi o terceiro prêmio, como melhor roteirista mas além dos roteiros da Katita havia feito também roteiros poéticos em quadrinhos. Maior respeito talvez não seja o termo mas maior visibilidade; ainda há um longo caminho para o respeito as individualidades sexuais.

5 - Existem outros personagens gays, inclusive super-heróis. O que você acha deles? 
Personagens gays criativos preenchem uma lacuna e mostram as variantes sexuais pois o mundo não se resume a heteros. Tenho um pé atrás com super-heróis, sejam gays ou não. Gosto de personagens próximos da realidade.
Heróis com super-poderes parecem refletir o quanto nos sentimos inferiores por sermos simplesmente humanos.

6 - Como é o seu processo de criação? Você escreve ou rafeia as histórias? Você muda o texto depois de desenhado? Pede para fazer mudanças no desenho? Faço quadros descrevendo detalhes do ambiente, diálogos e posição dos personagens. Posso recorrer a colagens de imagens para dar uma idéia do que quero ou desenho um esboço básico, quase primário. Felizmente o Ronaldo Mendes, meu desenhista mais assíduo, entende o que quero transmitir. Ele desenha a lápis e me passa via computador. Observo se está tudo ok, solicito alteração (caso necessário) e só então, ele finaliza.Em outras ocasiões fiz roteiros  escritos, tipo argumento, propiciando maior liberdade para o desenhista exercer a criatividade e montar o visual, de acordo com sua vontade. Não gosto de mudar o texto depois da arte finalizada; só em situações extremas, como corrigir uma falha ortográfica no balão, por exemplo.

7 - Eu sempre digo que um bom roteirista deve ler e ler muito. Por isso, eu peço para os meus entrevistados indicarem livros interessantes para os leitores do blog, muitos dos quais serão futuros roteiristas. 
Ler é essencial para desenvolver a mente, se familiarizar com as palavras, textos, pontuação, etc. Creio que o bom roteirista deve ser eclético em suas leituras; ao ler publicações sobre roteiros de quadrinhos, vai ter muita informação útil e específica.  Indico MAUS, citado anteriormente e seu livro (O Roteiro nas Histórias em Quadrinhos), além de publicações que tiveram alguma premiação ou indicação importante. Serve como avaliação. Ler a literatura tradicional também é interessante, como também livros que deram origens a filmes.
8 - Qual dica você daria para quem está começando agora como roteirista de quadrinho? 
Primeiro que preste atenção ao texto e diálogo produzido. Recebo material com tantos erros ortográficos nos diálogos que prejudicam a imagem, mesmo que seja boa e comprometem os desenhos. O roteirista trabalha com a idéia e com a palavra; tem que ter preparo básico. Estudo e leitura são primordiais. Outra questão importante é o roteirista ter em mente que seu trabalho  deve oferecer algo aos leitores e despertar interesse. Se o roteirista é também o desenhista, tem a vantagem de poder fazer tudo sozinho mas é bom ter uma opinião qualificada no decorrer do trabalho. Várias dicas externas são valiosas.

9 - Você usa uma mídia, os quadrinhos, que é vítima de muito preconceito,  para falar dos gays, que também são muito discriminados. Qual preconceito é maior? Quadrinhos com essa temática ajudam a diminuir o preconceito e, por outro lado, mostram que quadrinhos podem falar de qualquer coisa? 
A homossexualidade, sem dúvida, recebe maior carga de preconceito. Quadrinhos nem sempre são levados a sério e muitos encaram hq com arte menor, por desconhecimento. Recebi manifestações de pessoas que leram as publicações da Katita e constataram que quadrinhos podem ser veículo para questões adultas, profundas e também uma forma  de expressão artística.

10 - A personagem Katita já foi censurada alguma vez? 
Isso tem sido uma constante desde a criação (1995). Censura, exclusão, veto, solicitação de alterações na tira, comportamento da personagem e substituição de palavras nos balões. Sinceramente isso não me afeta, é um dos combustíveis para continuar. Tenho uma crítica pessoal em relação a personagem e algumas idéias são deixadas de lado por minha vontade já que não quero usar nada apelativo. Não preciso de censura externa, geralmente baseada em puritanismo tolo.Agora, se alguma observação é coerente, levo em consideração.



O livro Katita - tiras sem preconceito pode ser comprado no site da editora Marca de Fantasia. 

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Deus ex machina

Na Grécia antiga havia um recurso usado pelos maus roteiristas: quando não conseguiam resolver algo na trama, ou explicar o que estava acontecendo, um ator vestido de deus era baixado por um mecanismo  e resolvia a situação. Por exemplo: os personagens estão numa situação em que não há saída possível, o deus desce e os salva. Ou: há um furo monstruoso na trama, o deus descia e tentava explicar.
Isso era chamado de Deus ex machina e é uma falha grave de roteiro. 
Um exemplo clássico disso aconteceu em uma das edições da revista Calafrio. Havia um roteiro padrão na Calafrio, segundo o qual alguém muito mal era punido no final. Geralmente eram os mortos que voltavam do túmulo para se vingar. Mas nessa história, o vilão foi morto por um raio que atingiu seu carro. Só que, percebendo o furo, o roteirista colocou uma caveirinha no final, explicando: "Sim, eu sei que os pneus do carro criam um isolamento, protegendo as pessoas de raios, mas lembre-se: no mundo do terror, tudo é possível... hahahhahahahah".
Uma forma mais comum de deus ex machina é tirar a salvação dos heróis da manga. Tipo: eles estão sendo perseguidos e vão ser mortos pelos vilões. De repente aparece a polícia, do nada, e os salva.
Para evitar o deus ex machina, tudo na trama tem que ser amarrado. Em algum ponto lá atrás, alguém deveria ter chamado a polícia, mas, com o desenvolvimento da trama, o expectador esqueceu disso e só lembra na hora que vê a polícia chegando.
No filme Sinais, por exemplo, tínhamos uma menina com uma mania estranha: ela bebia água e deixava o resto em copos espalhados pela casa. No final, quando o ET invade a casa, há água por toda a casa, o que permite ao tio da menina usar isso para derrotá-lo (a água é como ácido para eles). Ou seja: o  roteirista pensou nesse final e providenciou uma explicação. Se os copos de água aparecessem do nada, o expectador iria dizer: ah, isso é mentira, e o pacto de verossimilhança seria destruído junto com os copos de água.

O pacto de verossimilhança pressupõe uma troca com o expectador: você acredita na minha história, em troca eu sou honesto com você. Vou, por exemplo, avisá-lo de quem é o assassino numa história policial (claro que essa pista é jogada no meio de outros fatos, e a tendência é esquecer, mas, quando vê o final, o expectador pensa: ah, mas era óbvio, como eu não percebi isso antes?).
O filme Sexto sentido é um exemplo disso: no final, quando descobrimos o que realmente aconteceu com o psicólogo, pensamos: caramba, era óbvio, porque não pensei nisso?
O filme Testemunha de acusação brinca com essa  situação: de repente aparece uma mulher, do nada, com provas que inocentam o acusado. Parece um deus ex machina, usado apenas para livrar a cara do personagem. Mas depois isso se revela parte de uma trama maior, que já estava sendo exposta ao expectador.

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